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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Há quanto tempo eu passo por essas ruas










Há quanto tempo eu passo por essas ruas! E lembro dos amigos das esquinas, das mesas de botão, do campinho, da pipa e do balão; do almanaque da Luluzinha e das histórias que ouvia, nas cabines da biblioteca, do macaco Simão. As ruas sabatinavam as lições da vida, ensinavam a conjugar o verbo tempo; eu aprendi tabuada contando paralelepípedos e a escrever poesia na areia, com os dedos.

As ruas nos dão a liberdade e por elas caminhamos acertando e errando, mas sempre caminhando. Pode ser que algumas vezes a gente fique na estrada, pedindo carona, com os rumos embaralhados pelas situações que criamos, mesmo assim estamos aprendendo as velhas lições dos velhos livros. Aliás, livros que nós escrevemos e não devemos corrigi-los, vamos escrever outro, com mais capricho quando da escolha das palavras, elas são poderosas e podem ferir, mas também curam, cicatrizam e trazem felicidade.

Por essas ruas eu podia fazer o que quisesse, como um novo dia que chega e acende novamente o sol, a cada manhã todas as células despertando para novas oportunidades. Assim são os nossos dias, estamos sempre despertando, nascendo de novo dentro de um carinho, de um perdão, de um muito obrigado.

Ricardo Mezavila

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O inseto dos espíritos




Tem uma crença popular que diz que se uma mosca estiver insistindo em posar em você, é alguém que morreu e quer falar contigo. Não sou chegado a crendices, fábulas e folclores, mas permiti, pela primeira vez, que a mosca ficasse me perturbando e não a peguei como sempre faço. Tenho habilidade em pegar moscas em pleno voo. Então deixei que o inseto ficasse por aqui, ora na minha perna, ora no meu braço, quando tentava ir para o nariz eu abanava as mãos.

Foi uma impressionante experiência literária a permissão que dei para que a mosca fizesse suas manobras e pousasse nas pistas do meu corpo. De imediato tive a sensação de estar servindo de transporte para alguém invisível, sem voz. Era como se eu fosse o mensageiro dos sonhos perdidos, dos desejos abandonados, dos espíritos abençoados que receberam a condicional divina e foram visitar os lugares por onde viveram suas vidas na terra.

Dentro de mim ouvi histórias alegres, sempre alegres. Os mortos são felizes, pensei. Isso fez com que eu sentisse uma “ola” partindo dos meus pés, passando pelos membros inferiores, estômago, braços, peito e chegando até a cabeça e me dando aquela sensação de alegria e bem estar que a gente sempre espera sentir quando acorda. Por que os espíritos preferem as moscas? Os coelhos são mais bonitos e peludos; o cãozinho e o gatinho recebem carinho das pessoas e dormem em suas camas. Mas eles preferem as moscas.

Do ponto de vista benéfico algumas moscas são importantes para o homem, tais como as espécies que são utilizadas como animais experimentais principalmente para estudos genéticos. Algumas espécies são utilizadas como agentes de controle biológico de plantas daninhas bem como de insetos pragas.

A mosca tem visão de 360 graus e as asas mais ligeiras entre os insetos, um super inseto. Durante o voo, batem suas asas 330 vezes por segundo - quatro vezes mais do que o beija-flor, o pássaro campeão nesse quesito. Os espíritos precisam de velocidade, visão e facilidade em entrar e sair dos ambientes sem serem importunados. A partir de agora não vou mais espantar uma mosca quando estiver insistindo em ficar perto de mim, ouvi histórias adormecidas esperando um chamado.

As moscas esfregam as patas por questão de higiene, existem nos pelos receptores de aroma e sabor que precisam estar limpos para que possa farejar alimentos. Eu vou esfregar minhas mãos quando terminar de escrever, e tentar não esquecer as mensagens que recebi.

Ricardo Mezavila

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Jesus, um falso profeta.





Não tenho a intenção de abordar questões polêmicas como religião, ciência e política, mas disparo aqui algumas inquietações reflexivas que me acompanhavam desde que larguei a mamadeira e me tornei um Brahma. Estas dúvidas já não me incomodam, mas tendi a registrá-las por pura falta do que fazer e para relaxar, enquanto faço as contas de quanto vou desembolsar para trocar os cinco pneus do carro, reprovados na vistoria anual do DETRAN.

É estranho que a vida do falso profeta Jesus de Nararé, tenha sido usada pela igreja para divulgar o amor e a fé, tendo sido o Nazareno contrário à política dos usurpadores das palavras de Deus e nunca tenha pregado religião alguma. Se voltasse aqui não hesitaria em açoitar de novo. O início se deu no desaparecimento de seu corpo. Foi manobra dos romanos para evitar a peregrinação? Os apóstolos sumiram com o corpo para forjar a ressurreição? De certo quem saiu vitorioso foi o clero que contou a sua história.

O que reforça o elemento tendencioso das minhas desconfianças são os pecados capitais. Sete ao todo. A inveja é para o pobre não desejar ser rico; a ira é para o pobre ficar resignado e não levantar bandeiras; a luxúria é para o pobre se contentar com a cama de dona Maria e esta com o cobertor do seu José; a gula é para o pobre aceitar o jejum obrigatório; a preguiça é para o pobre acordar cedo e trabalhar por salário mínimo; a soberba é para o pobre esconder do outro que faz três refeições diárias; a avareza é para o pobre nunca questionar os impostos pagos ao governo e não negar o dízimo à igreja.

No segundo parágrafo, primeira linha, adjetivei Jesus de falso profeta, era assim que seus desafetos o tratavam. Jesus não foi um profeta, foi o legítimo filho de Deus. A ciência materialista e a teologia nos devem muitas explicações.

Ricardo Mezavila

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Os três astrólogos (uma história)




Era uma noite linda, as estrelas cintilavam no céu como pérolas enfeitando os olhos de quem as admirava. Seria exatamente numa noite dessas que três astrólogos previram a chegada de uma criança, não se sabia exatamente onde ela nasceria, mas traria consigo algo de especial, uma harmoniosa luz capaz de iluminar o coração do mundo.

Os astrólogos estavam olhando o céu atrás de um sinal que pudesse levá-los até o local do nascimento. Buscavam em cada estrela uma pista, a menor que fosse, para colocarem em prática tudo o que planejaram. Cada um tinha um presente embrulhado dentro de uma oração para presentear o recém-nascido: Verdade, Vida e Amor.

As horas se passavam e a manhã parecia estar acordando, quando viram uma lagarta virar uma linda borboleta, pegaram-na e atiraram ao alto para que voasse, nesse mesmo instante uma ave a fez presa levando-a no bico sem que ela pudesse bater as asas uma única vez. Eles entenderam que aquele era o sinal esperado e seguiram na direção da ave. Os astrólogos sentiam-se como se reis ou magos fossem. Sabiam que aquela noite não seria uma noite qualquer.

Depois de percorrerem alguns quilômetros perceberam uma estrela muito brilhante sobre uma pequena casa. Seguiram para lá e foram recebidos por um casal que os convidou a entrar. Não havia móveis na casa, mas se percebia uma luz vinda do único quarto. Os astrólogos foram até lá e havia uma criança deitada em um berço. O casal contou que  acabara de nascer e que eles eram os primeiros visitantes. Um dos astrólogos disse que sabiam de seu nascimento e que trouxeram três presentes para lhe dar. Deram as mãos e rodeando a criança, oraram por Verdade, Vida e Amor. Disseram também que aquela criança era especial. A mãe disse: - É especial sim, nasceu com síndrome de down. É um espírito de Luz.

Os astrólogos alegraram-se com a recepção que a criança teve e por conhecer  seus pais. Partiram com a sensação de que o mundo é muito melhor quando as diferenças são normais.


Ricardo Mezavila

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Mães e Filhos



madres de plaza de mayo



Um dos movimentos que mais me sensibiliza pelo tamanho da emoção que transmite, pelas justificáveis reivindicações e por todo o sentimento verdadeiro impregnado em suas ações, é a organização das Mães da Praça de Maio, na Argentina. São mulheres que se reúnem ainda hoje, às quintas-feiras, em frente a Casa Rosada, e manifestam contra o desaparecimento de seus filhos, pela ditadura militar que prevaleceu de 1976 à 1983.

Alguns pais, considerados subversivos, tiveram seus filhos retirados de sua guarda e colocados para a adoção durante os sete anos de ditadura. Quando acabou a ditadura, muitos filhos estavam sob guarda de famílias de militares. Esse encontro das Mães a procura de seus filhos mantém vivo na memória do povo argentino os excessos da ditadura.

Ao contrário das Madres de Plaza de Mayo, muitas mães viveram e vivem no anonimato apesar da fama de seus filhos. Muitas vezes foram elas que incentivaram, na mais terna infância, aquilo que depois se tornaria em talento, fenômeno e genialidade. Algumas serviram de inspiração e modelo seguido.

Quem teria sido Sra. Sophie Brezing, uma protestante alemã que fez questão de batizar seu filho nesta religião, apesar do catolicismo e autoritarismo de seu marido? E Rosa Bruskin, judia russa que, tendo filho no Brooklyn, Nova Iorque,  imigrou logo depois para São Petesburgo, na Rússia?  Que mistérios rondam a Sra. Felipa Domenech Ferrés, a maior incentivadora de seu ilustre filho, enquanto o pai era contra as aptidões do jovem? O que notabiliza Beatrice Stone além de pertencer a uma pequena e unida comunidade judaica americana? Que sonhos teria Erenice Carvalho, quando passeava nas terras dos goytacazes entre as usinas de açúcar? Quando que Julia Stanley poderia imaginar que seu filho seria um dois maiores ídolos da humanidade? A doce e resignada mãe da cidade camponesa de Bagdadi, Rússia, de nome Aleksandra Aleksiéievna, a quem teria amamentado?

A identidade dessas mulheres está no DNA de seus filhos, na força de suas obras e faço esse registro para homenagear a todos nós, mães, pais, avós, irmãos, tios que dão, não só o nome, mas a educação e a pavimentação necessária para uma caminhada segura.

Ricardo Mezavila



quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Para contra balançar




O índice de massa corporal (IMC) é uma medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal. Ele foi desenvolvido por Lambert Quételet no fim do século XIX. Trata-se de um método fácil e rápido para a avaliação do nível de gordura de cada pessoa, ou seja, é um medidor internacional de obesidade adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O tópico frasal foi copiado da Wikipédia, aquela que vem pedindo doação de dez mérreis a cada consulta que você faz. Esse IMC é uma ditadura e das mais perversas que já existiu. Nem o faci-nazismo  foi tão eficiente quanto o regime dos que são obrigados ao regime.

A obesidade é uma doença crônica não-transmissível, é o acúmulo excessivo de gordura corporal que pode acarretar danos à saúde. No plano mundial, a obesidade é considerada como um problema de saúde pública independendo do desenvolvimento sócio-financeiro do país.

As cirurgias bariátricas, popularmente conhecidas como, cirurgia para redução de peso, são os recursos mais eficientes e seguros que  a medicina atual disponibiliza às pessoas que sofrem de obesidade mórbida e precisam reconquistar a saúde e a auto-estima.

Venho acompanhando algumas pessoas próximas que sofrem com o fantasma do sobrepeso, com a gordura aparente e com a balança digital das farmácias.  O IMC deve ser usado para adultos e não deve ser o único fator na classificação da magreza ou obesidade. A quantidade de gordura corporal também deve ser levada em conta para saber se o peso é de gordura ou de músculos.

Existem vários sites que utilizam o IMC para vender milagres e dietas. Então eu resolvi criar o IMCIC (Índice de Massa Corporal por Idade Cronológica). Acredito que seja a equação mais lógica e racional de todos os métodos científicos.

A Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade criou uma tabela que afirma que, se você estiver com o IMC abaixo de 18,5 está aquém do peso ideal; entre 18,5 e 24,9, ótimo; entre 25,0 e 29,9, sobrepeso; entre 30,0 e 34,9, obesidade grau I; entre 35,0 e 39,9, obesidade grau II; 40,0  e acima, obesidade grau III. Para se chegar ao resultado é preciso multiplicar ao quadrado a sua altura e dividir o resultado pelo seu peso.

Criei um método mais democrático e menos opressor. O cálculo é o seguinte: Subtraia o seu peso atual pelo peso de quando você nasceu para saber seu peso real, divida o resultado pela sua idade e saberá a média anual de quantos quilos você adquiriu durante todos esses anos. No geral o cálculo é generoso. No meu caso incorporei apenas 1,78 kg por ano. O mais interessante é que você vai perceber que com o tempo vai ganhando menos peso, isso se você mantiver um peso padrão, mesmo que esteja acima dos 40,0 arbitrado pelo IMC. Sinta-se feliz com o que você é!

Ricardo Mezavila

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

E o final, afinal?




No fundo, todos gostamos de ouvir um pouco, nem que seja um pouquinho, sobre a vida alheia. Deixando o moralismo, vamos assumir que uma boa historinha prende a atenção. Ouvir sobre o que acontece com o outro dá a possibilidade de repensar sobre o que temos feito. Quando coloco todo o mundo no mesmo ‘barco”, estou me referindo a nós, seres humanos.

Não estou falando da fofoca, que consiste no ato de fazer afirmações não baseadas em fatos concretos, especulando em relação à vida alheia. Mas sim de uma história com tempero carregado de fortes condimentos, que prenda a atenção. Como assistir a um filme, novela.

Ontem parei por uns instantes de realizar minha tarefa, quando ouvi vindo do rádio de um carro estacionado embaixo do meu local de trabalho, um locutor lendo uma carta que uma jovem havia enviado para o programa. Ela, órfã, foi criada pela avó, viúva. Com vinte e quatro anos nunca trabalhou, a pensão da avó era suficiente para o sustento e provimento das duas. Acontece que de uns meses para cá, relata o locutor, sua avó de sessenta e oito anos iniciou um romance com um rapaz trinta e cinco anos mais novo, seu professor de dança na academia. Se tudo ia mal, piorou quando ela colocou o rapaz dentro de casa. Ele parou de trabalhar e fica o dia inteiro em casa assistindo televisão. Além de tudo isso, de uns tempos para cá, começou a dar em cima da jovem, que contou para avó, mas esta, apaixonada, disse que era um absurdo, que a neta mentia. A jovem então decidiu por tomar uma providencia drástica (a voz do locutor subiu de tom). Uma tarde estava na cozinha cortando carne em bifes para o almoço quando o professor a chamou para ir até o quarto (vinheta de suspense); ela enxugou o suor da testa, olhou para a faca afiada em suas mãos e.......ops!!! O restante da carta eu não ouvi, só o arranque do motor do carro dando a partida.

Desculpe se agucei algum sentimento íntimo reprimido dentro de você, mas também fiquei com a sensação do inacabado. Uma história sem um fim é como um coito interrompido, um cozido na panela aquecido, aguardando o botijão de gás. O que teria acontecido naquela casa? Pensei isso e voltei ao trabalho e a minha, graças a Deus, vida temperada só com sal, alho e cebola.

Ricardo Mezavila

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O Amigo do Homem




Não me espanta, em uma sociedade onde em cada esquina tem alguém reproduzindo o senso comum de que “ o cachorro é mais confiável que o homem”, que o descaso com esse mesmo homem seja o alicerce da miséria em que ele foi atirado. Quero acreditar que o jargão canino seja metáfora, usado para expressar o descontentamento de um com a atividade do outro. Mas desconfio que tem gente que prefere mesmo os animais aos seus pares.

Permito-me refletir sobre o infeliz jargão, não é o único, tem outros iguais “ quanto mais conheço o homem, mais admiro meu cachorro”,  com a cabeça de quem profere e acredita nesta sandice e encontrei essa retórica: estou descontente com as pessoas, com o mundo, comigo mesmo. Não tenho interesse em progredir como cidadão, nada é capaz de instigar a inércia a sair da cômoda condição de figurante social que ocupo no  corpo da minha identidade . Aquela pessoa que todos os dias passa por mim, com uma criança no colo, pedindo, esmolando, sem ter um teto e com um pé na criminalidade, não é confiável, então a ignoro, fecho os olhos. O cachorro abandonado, olhando para o frango assado da padaria, esse sim, é de confiança e merecedor da minha humanidade, atenção e zelo.

Gosto dos animais e temos a obrigação de protegê-los quando pegamos para criar, mas não o considero meu amigo, muito menos o “melhor”. Minha relação com ele é baseada nos princípios biológicos da racionalidade. Nunca vou compreender, mesmo acreditar, que um cachorro disse alguma coisa para mim. A idéia que a frase incorpora é a que não podemos confiar em qualquer pessoa. Mas será que os defensores do reino irracional confiaria a um rottweiler  a guarda de seu filho? Alguém tira uma soneca deixando um salmão em cima da mesa com um gato na cadeira?  Antes que digam, vou logo antecipando:”vai depender de como o dono criou o animal”, na-na...ni-na...não.... Esse argumento não é convincente porque o cachorro pode não morder o dono, mas morde o carteiro. Não vou querer passar pelo constrangimento de receber uma visita e o cachorro rosnar para ela.

O apego excessivo por animais remete a uma reflexão profunda que passa, inevitavelmente, pela baixa estima,  amor próprio, egoísmo e tendência à solidão.

Ricardo Mezavila

Chegando do Cais Dourado




Conta a lenda que o capoeira e sua amada Iaiá eram apaixonados e onde um estava, lá estava o outro. Na romaria, no banho de cachoeira e na pescaria. Em fandangos, festinhas, reisados, era ele contra mestre, era ela pastorinha. Até que apareceu um moço fino e, loucamente, Iaiá se apaixonou e com ele foi embora, passeou de barco à vela e carruagem. E o capoeira que era valente chorou. Um dia a mulata no cais apareceu, correu para os braços de seu antigo amor que não lhe deu guarida, desesperada caiu no mundo a vagar, e o capoeira ficou com seu povo a cantar.

Essa história foi enredo em 1969 da Escola de Samba Vila Isabel, mas não lhe rendeu o título, que ficou com o Salgueiro com Bahia de Todos os Deuses. Eu tinha dez anos, o carnaval de rua ainda era festejado com muita alegria em quase todos os bairros do Rio. No Méier brincávamos no coreto que ainda resiste no Jardim, e nas matinês do Mackenzie e Clube Atlético do Méier.

Na década seguinte, houve a grande revolução nas escolas de samba, promovida por Fernando Pamplona e seu pupilo João Trinta. Tendo aprendido com Pamplona a dar os primeiros passos, como carnavalesco, Joãozinho ainda tentou ser bailarino clássico do teatro municipal, mas envolveu-se com os figurinos e cenários e acabou encontrando sua verdadeira vocação.

Assisti o desfile do Salgueiro de 1975 na Avenida Presidente Antonio Carlos, na companhia de minha mãe, fervorosa salgueirense e minha tia, passista, para quem acenávamos enquanto ela esbanjava sua graça ainda na concentração. O samba As minas do Rei Salomão é considerado, por mim, o melhor de todos, acho que pela influência e experiência que tive em ter assistido ao lado das minhas duas referencias em se tratando de samba. Também colaborou o fato da escola ser a campeã do carnaval naquele ano.

Finalmente em 1982 desfilei na escola do meu coração, Portela. Vivi uma das maiores emoções públicas que alguém pode viver, comparada a jogar no Maracanã talvez. Naquele ano uma outra escola fazia a contra revolução ao voltar às origens dos antigos desfiles e denunciar as “Super Escolas de Samba S.A.” Bumbum paticumbum prugurundun da Império Serrano foi a grande campeã daquele ano e a Portela segunda colocada.

O samba é uma família! Pensei isso ontem, quando voltava do show do Nelson Sargento com a noiva, filhas e neto. É um Cais Dourado onde a gente pode ir para dar adeus e para receber que vem chegando, para recordar as alegrias, matar as saudades e projetar o futuro. Mesmo com a alegria de ver o Salgueiro campeão de 1969, minha mãe tinha como seu samba preferido Iaiá do Cais Dourado.

Ricardo Mezavila

domingo, 18 de dezembro de 2011

Santa Luzia (Protetora dos Olhos)



A devoção que as pessoas dedicam aos santos pode ser fé, folclore, senso comum e, eventualmente, socorro para receber graça ou cura. Lembro que minha irmã, quando criança, passou por um problema nos olhos e vi minha mãe, religiosa e crente em suas preces, recorrer à Santa Luzia, protetora contra as doenças dos olhos, e a doença que acometia minha pequena irmã recuou e ela ficou curada.

Luzia nasce por volta do ano 280 d.C. em Siracusa, na região da Sicília. O pai morreu quando ela era muito pequena, tendo sido criada pela mãe, religiosa que passou a ela a verdade do cristianismo, as histórias dos primeiros cristãos, o martírio deles pelo amor de Jesus. Luzia se deixou capturar o coração por Jesus e no seu coração decidiu se consagrar, unindo-se a ele como uma esposa com o seu esposo, com voto perpétuo de virgem.

Tendo a mãe de Luzia uma grave doença foi levada, pela filha, ao sepulcro de Santa Ágata que aparece para Luzia e diz: “Luzia, irmã minha, porque pedes a mim aquilo que tu mesma podes obter para a tua mãe? Eis, tua mãe foi jà curada pela tua fé.”  Luzia compreendeu que aquele era o momento justo para revelar a sua mãe a intenção de consagrar-se a Jesus e de querer doar o seu rico dote nupcial aos pobres.

Um jovem apaixonado por Luzia não correspondido a denunciou ao imperador, que reprimia e perseguia os cristãos, que era ela seguidora dos fundamentos da religião. Sendo presa foi obrigada a fazer sacrifícios ao deus pagão para renegar a própria fé. Tendo negado, os soldados tentaram levá-la à tortura, mas ela se manteve fixa como uma pedra. Deus não permitiu que ela fosse levada.

Luzia foi condenada à decapitação em 13 de dezembro (dia consagrado a ela). A devoção a S. Luzia se difundiu logo depois da sua morte e se transmitiu até os nossos tempos. A lenda popular narra, que à Santa foram tirados os olhos da órbita, por isso algumas iconografias figuram a Santa com uma bandeja na mão onde os olhos se encontram em cima. Santa Luzia é a protetora da vista.

Oração: Ó Santa Luzia, que preferistes que vossos olhos fossem vazados e arrancados/antes de renegar a sua fé e compuscar vossa alma; e Deus com um milagre/extraordinário, vos devolveu dois olhos perfeitos para recompensar vossa virtude e vossa fé, e vos constituiu protetora contra as doenças dos olhos.Eu recorro a vós para que protejais minhas vistas e cureis a doença de meus olhos/Ó Santa Luzia conservai a luz dos meus olhos para que possa ver as belezas da criação /o brilho do sol, o colorido das florestas e o sorrido das crianças /conservai também os olhos de minha alma, a fé , pela qual eu possa compreender seusensinamentos, reconhecer o seu amor para comigo e nunca errar o caminho que me conduzirá onde vós Santa Luzia, vos encontrais , em companhia dos Anjos e Santos.Santa Luzia, protegei meus olhos e conservai minha fé. Amem 

Ricardo Mezavila

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Cordialidade Brasileira





O historiador e pai de Chico Buarque, Sergio Burque de Hollanda, criou a frase: “O brasileiro é um povo cordial”. Esta tese fez com que o ilustre mestre se arrependesse profundamente de tê-la lançada. Os patrulheiros de plantão reagiram e interpretaram-na como uma mensagem das classes dominantes para justificar a injustiça social, além de classificar “cordial” como sinônimo de ignorante e primitivo. Sérgio passou o resto da vida explicando que a origem etimológica de “cordial” é “relativo ao coração”, e foi nesse contexto que ele escreveu a famosa frase.

Pois bem, deixando o equívoco lingüístico de lado, hoje na estação de trem de Oswaldo Cruz administrada pela Supervia, no Rio de Janeiro, houve muita confusão por conta de problemas técnicos que já são recorrentes nas manhãs ensolaradas do subúrbio carioca. Houve pânico e a polícia lançou spray de pimenta para tentar conter os mais exaltados. A impressão que tenho é que estão fazendo algum tipo de experiência com a humanidade e, viajar de trem no Rio, é teste de tolerância, paciência e de...cordialidade. Até onde o ser humano pode suportar os descasos nos setores básicos da sua sobrevivência, sobreviver com um salário injusto e ainda apanhar da polícia por culpa da incompetência de uma empresa privada sob os auspícios do governo estadual (?).

Essa tal “cordialidade” brasileira tem sugerido, todos esses anos, que o homem proletário deve se contentar com aquilo que lhe dão, sem questionar. É resignar e ponto! As cenas de Osvaldo Cruz mostram que, se falta inteligência ao homem, sobra disposição para o confronto físico. O que falta é organização e estratégia, mas isso soa anacrônico nos tempos atuais, beira o ridículo. Se a nossa independência tivesse sido conseguida com luta popular, talvez não seríamos os cordeiros que somos, mas a liberdade foi declarada em um jogo amistoso entre Portugal x Portugal, e não em um Brasil x Argentina.

Ricardo Mezavila

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Voz


marina lima



Quando o trabalhador da construção civil se aposenta, logo suas ferramentas vão para caixa e, eventualmente, podem ser utilizadas em alguns reparos domésticos se necessários; as ferramentas de um artista plástico são o pincel e as tintas que, em uma tela branca, dão contornos de realidade à inspiração do artista; o médico cirurgião usa o bisturi para iniciar o tratamento de cura do paciente; o cantor/cantora utiliza a voz, a ferramenta/instrumento que existe/vive nele.

A voz é um instrumento que possui vida, todos a carregamos, com suas características fisiológicas e psicológicas únicas. A voz é uma característica humana intimamente relacionada com a necessidade do homem de se agrupar e se comunicar. Ela é produto da nossa evolução, um trabalho em conjunto do sistema nervoso, respiratório e digestivo, e de músculos, ligamentos e ossos, harmoniosamente atuando para que se possa obter uma emissão eficiente.

Ferramentas, também são a extensão do corpo de quem as utiliza. O chaveiro só pode realizar seu trabalho com um kit de copiar chaves; o borracheiro precisa do macaco para levantar o carro e trocar o pneu; o arquiteto utiliza a régua nos projetos para a execução de uma obra e o cantor/cantora dependem, exclusivamente, da harmonia e do bom funcionamento do organismo, para exercerem a profissão.

Imagine uma cidade sem prédios novos, carros estacionados por falta de pneus, portas trancadas sem as chaves para abri-las, assim é uma música sem a voz para acompanhá-la, a gente ouve, mas sem a letra, não sabemos cantá-la.

Ricardo Mezavila 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Histórias de Natal



O natal está chegando com todas aquelas mensagens otimistas e consumistas de sempre. Não vou panfletar, podem deixar, não vou falar que o natal se tornou, no ocidente, em um movimento capitalista que a coca-cola, em 1931, ajudou a divulgar através de campanha publicitária, com a imagem do papai Noel usando roupas com as cores do refrigerante. Antes o bom velhinho usava roupas de inverno nas cores marrom ou verde escura, mudando para as cores atuais.

Natal para mim tem cheiro de sexta-feira! Nesse dia minha mãe fazia uma faxina geral na casa com a nossa pequena ajuda, o cheiro do lustra móvel era o meu preferido. A gente sentia todo o tipo de cheiro que a poeira trazia e, no fim, imperava aquele cheirinho de limpeza nos móveis, era o que prevalecia por todo o dia.

Às vésperas do natal eu e meu pai íamos à Sua Majestade, antiga loja de roupas masculinas,  meu pai comprava roupas novas para usarmos no dia de natal e ano novo. Não lembro de algum dia ter acreditado em papai Noel, acho que eu já desconfiava que ele era uma farsa, mas adorava esperar pelos presentes, mesmo quando diziam que foi ele quem trouxera.

Do ponto de vista cronológico, o Natal é uma data de grande importância para o Ocidente, pois marca o ano 1 da nossa história. Na antiguidade, o Natal era comemorado em várias datas diferentes, pois não se sabia com exatidão a data do nascimento de Jesus. Foi somente no século IV que o 25 de dezembro foi estabelecido como data oficial de comemoração.

Aqui no Brasil papai noel não podia usar aquelas roupas do inverno romano, tinha que haver concurso, como tem para rei Momo, para a escolha do velhinho do ano, com roupas do verão tropical. As crianças não estão acostumadas a ver ninguém vestindo aquela casacão de lã , às vezes, ficam intimidadas com a sua presença sureal.

Como toda festa religiosa, o Natal é rico em símbolos. Por isso são poucos aqueles que conhecem suas origens e seus significados. O Natal marca a grande festa de solidariedade universal. Pois é comemorado em todo o mundo, até mesmo onde a população cristã é minoria. O Natal, enfim, cultiva nas pessoas sentimentos muitas vezes esquecidos, como o amor ao próximo.

Ricardo Mezavila

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Unforgetable dream





Quem nunca foi dormir, em alguma fase da vida, e firmou o pensamento em algum acontecimento, um desejo, alguma coisa da alçada de Deus, que poria fim a uma tristeza, uma perda, uma preocupação. Algo como: “Deus, faça papai voltar pra mamãe”, para as crianças; “Deus, traga minha namorada de volta”, os adolescentes; “Deus, tenho que passar para a faculdade pública”, os jovens; “Deus, preciso de um emprego melhor”, os adultos; “Deus, não quero sofrer, me leve antes”, os velhos.

Esses desejos ficam no vácuo quântico do tempo, no vazio das horas e ganham formas durante os sonhos. O observador comum provavelmente não verá nada ali, mas há uma quantidade mínima de energia, partículas virtuais interagindo sobre o conteúdo de si mesmas.

Nesse espaço aparentemente inexistente, vivem os nossos sonhos inesquecíveis, aqueles que tornam em realidade os pensamentos que povoavam as nossas noites antes que adormecêssemos. Nesse lugar etéreo os pais voltam para casa e reorganizam os sentimentos da família; filhos adotivos encontram conforto e carinho no colo de seus pais biológicos; os velhos sentem o vigor de uma caminhada por entre campos de morangos.

O sonho inesquecível ainda está por vir e você nem precisa estar dormindo para percebê-lo, basta que a energia positiva de um bom pensamento cancele a energia negativa de um mau pensamento.

Ricardo Mezavila

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Moscas e Farinha





Fico incomodado com a contemplação, de alguns setores da sociedade, em relação a pobreza  material e o que dela é gerado. Alguns torcem o nariz, fecham os olhos, fingem que não ouvem. Na verdade os seres “invisíveis” só ganham corpo nas “campanhas”, nos comícios, nos programas de televisão, ou quando são muitos e começam a fazer barulho.

Tenho uma lembrança emblemática de quando, viajando sentado no banco, do lado da janela de um ônibus, esperava que o sinal abrisse. Do lado que eu estava, quase encostado ao meio-fio, tinham algumas casas construídas com madeiras e zinco, uma favela. Foi quando a porta de uma das casas começou a abrir lentamente, todos olharam para a porta na espera do que sairia de lá. E, ante ao espanto de todos, uma criança de no máximo dois anos aparece e olha fixamente para todos nós criando constrangimento em alguns, consternação e piedade em outros.

O ônibus seguiu e fiquei a imaginar o que cada um daqueles passageiros estava pensando, qual a lição que eles tiraram, que atitude iriam tomar. Será que doariam dinheiro para as campanhas? O que cada um deve fazer, isso cabe a consciência individual, mas o que a sociedade deve fazer, é da alçada do coletivo, dos educadores. É obrigação o engajamento dos representantes públicos.

Esse fato me fez lembrar um antigo texto em que faço analogia entre a pobreza e um jacaré criado no bueiro. O animal cresce no ambiente subterrâneo e ali encontra as condições de sobrevida. Quando um funcionário da prefeitura desce até o local para fazer manutenção em uma rede de abastecimento, depara-se com aquela criatura horrenda e foge. O jacaré percebe que pode sair daquele ambiente pelo lugar onde fugiu o funcionário da prefeitura, então ele sai e choca os habitantes com a sua aparência. O governo, sem ter outra saída, diz que vai tomar providencias futuras e que, aquele jacaré adulto não tinham como recuperar, infelizmente.

O jacaré volta para o bueiro e lá, acompanhado de sua família, que continuava invisível porque não foram descobertos pela sociedade, portanto não incomodavam, afasta as moscas da mesa e come a farinha.

Ricardo Mezavila

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Feira Psicodélica




Quando discutimos sobre a função de determinada coisa, é porque ela já deixou de ter relevância, não é mais importante e absoluta. O questionamento é o sinal de que algo é preciso ser mudado para garantir a sua continuidade. È assim com as profissões, os objetos e até os sentimentos passam por esse processo de reestrutura.

Aconteceu com a contracultura da década de 1960, foi desprestigiada e manipulada de forma a desaparecer. Somente as culturas erudita e popular representavam a autenticidade dos valores nacionais. Os modernistas penduraram a contracultura em uma forca e tiraram o banquinho.

O complexo de colonizados serve até hoje de base nas reconstruções da identidade cultural brasileira. O apego ao que é estrangeiro viciou o intelectual universal, que examina tudo à luz do poder e da força.

“Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor”, ao som dos Novos Baianos o movimento da contracultura era a forma do artista praticar a transgressão  e  contestar a descaracterização dos valores culturais e sociais. A natureza era valorizada; a vida comunitária; a luta pela paz e o respeito às etnias e minorias; a alimentação natural; o incômodo com as guerras; a liberdade nos relacionamentos sexuais; o anticapitalismo; as práticas religiosas orientais e ainda tinha o reconhecimento do intelectual orgânico que trabalhava por meio de seu senso crítico.

Estou trazendo essa discussão imaginando que assim possam emergir os malucos daquela época, evocando o mundo dos mortos, quem sabe a consciência renasça de uma inspiração distraída e a gente ainda encontre espaço para armar uma tenda na feira psicodélica.

Ricardo Mezavila

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Bad Trip e Pão-com-manteiga




Não sei o que é pior, fazer exame de hepatite C, ou baixar um antivírus para o computador. Acho que a adrenalina é a mesma. Recentemente meus amigos das redes sociais me avisaram que estavam recebendo, através do meu perfil, convites para fazer coisas “estranhas”. Ainda bem que não aceito qualquer pessoa para participar da privacidade virtual, senão eu estaria complicado.

E, essa coisa de aceitar, devia ser repensado por todos em tudo. Eu lembro que aceitei, um dia, uma proposta para treinar no juvenil do São Cristóvão e fui. Um ano depois eu continuava entrando no segundo tempo dos treinos, na lateral direita, porque não tinha um “pistolão”.  

Quando cresci um pouco e passei a andar em grupo, com a rapaziada, percebi que podia jogar na lateral esquerda, sem problemas, porque não precisava provar nada para ninguém, e ainda participava de todo o tempo do jogo. Passei a ser “pistolão”, no meio do grupo que eu freqüentava.

Daí para as bads trips foi um pulo. Primeiro a “marij....”, depois o gin tônica substituiu a fumaça na efervescência das noites. Tudo inocentemente poético, mágico e totalmente rock’in roll.

Atualmente não dispenso um incenso e, muito menos, Ravi Shankar tocando sitar numa noite flutuante do tempo, alimento preciso para a força do pensamento. Não consigo me imaginar vivo, sem a poesia de toda a minha vida. O tempo não é o senhor, ele é você, na intimidade da vida quando toma aquele café e pão-com-manteiga.

Ricardo Mezavila

Eu e Neruda em La Chascona


 
Nas asas da minha poesia vislumbro um encontro com o poeta Pablo Neruda, em sua casa, no Chile, conhecida por “La Chascona”, onde ele se encontrava clandestinamente com sua amante Matilde. Conversamos sobre marxismo e da importância da vitória de Salvador Allende para a implantação de uma sociedade socialista que se ramificasse por toda a América Latina.
Matilde era esperada ansiosamente pelo poeta que, entre um charuto e outro, olhava pela janela. Evidentemente que Neruda não participava dessa hipotética conversa, apenas eu conversava e ouvia seus comentários através dos seus versos.
Conto a ele sobre como o poema “Puedo escribir los versos más tristes esta noche” foi  importante quando eu comecei a me entender poeta e declamei o poema quando percebi que Matilde estava chegando:
Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros, ao longe”. O vento da noite gira no céu e canta. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu a quis, e às vezes ela também me quis... Em noites como esta eu a tive entre os meus braços. A beijei tantas vezes debaixo o céu infinito. Ela me quis, às vezes eu também a queria. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi. Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la. A noite está estrelada e ela não está comigo. Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. Minha alma não se contenta com tê-la perdido. Como para aproximá-la meu olhar a procura. Meu coração a procura, e ela não está comigo. A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores. Nós, os de então, já não somos os mesmos. Já não a quero, é verdade, mas quanto a quis. Minha voz procurava o vento para tocar o seu ouvido. De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos. Já não a quero, é verdade, mas talvez a quero. É tão curto o amor, e é tão longe o esquecimento. Porque em noites como esta eu a tive entre os meus braços, minha alma não se contenta com tê-la perdido. Ainda que esta seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.
Terminei de declamar e Neruda recebeu sua amada em meus braços, foi le grand finale da minha performance.
Partido Comunista do Chile solicitou a exumação do corpo do poeta Pablo Neruda, morto em 1973. O pedido visa esclarecer as circunstâncias da morte do Nobel de Literatura. Morto 12 dias após o golpe patrocinado pelos militares contra o então presidente Salvador Allende, de quem era aliado, Neruda, ao que se sabe, foi vítima de um câncer de próstata. Os comunistas, porém, alegam que ele foi envenenado (Fonte: Veja).

Ouro sobre o Azul





Passeando por um sonho cheguei até a realidade, não a ficção em que vivemos, de injustiças, guerras e desencontros, mas a realidade da verdade e da inexistência do medo. A realidade onde o bom é fazer o bem e não falar; onde a beleza está em tudo, é um fato e não estereótipo; a realidade de poder sorrir para qualquer momento sem constrangimento; de acolher o carinho com liberdade dentro do coração.

Pelos caminhos do sonho não encontrei homens com poder de comando, com olhos de quem reprova, com músculos que intimidam, com fórmulas milagreiras que curam. Encontrei seres humanos simples, que pareciam de nada precisar além do que já eram. Homens humanos, seres reais.

A realidade da ficção está do lado de fora da humanidade, naquilo que podemos assistir e fazer. O falso homem é reprodutor de costumes, ele não cria nada porque disseram que ele é a criatura, que não pode progredir para dentro e precisa estar disponível do lado de fora, escravo funcional de si mesmo.

A ficção projeta sombras nas paredes das casas construídas para serem presídios dos sonhos. É preciso passar pelas muralhas e, para isso, não é preciso o uso de ferramentas, só da verdade, porque essas muralhas não existem no real. São ilusões, não são fumaças que dançam sobre o fogo e nem o vento que canta para o balé de girassóis.

A realidade é azul como o infinito céu da liberdade, a verdade é dourada como o calor dos raios que o sol produz.

Ricardo Mezavila

Meu "estigma" da Estrela




Algumas opções que você escolhe para a sua vida podem se tornar estigmas eternos, com extensão nas coisas que você venha a falar e agir sobre qualquer outro foco, para o resto de sua existência. Se você optou, durante um tempo, em seguir os dogmas de uma religião e ter radicalizado em suas posições, você sempre será cobrado quando proferir algo “blasfêmico” que seja oposição ao que pregava antes, mesmo tendo excomungado aquela religião da sua vida.

Uma coisa é certa, você sempre será cobrado por defender ou ter defendido alguma ideologia. Comigo acontece de ter sido, entre toda a década de 1980 até início dos anos 2000, militante ativo do Partido dos Trabalhadores. E ninguém é apenas um militante do PT, tem que conhecer o processo que levaram os trabalhadores a organizarem-se.

Por conta das lutas de classes e revoluções no leste europeu no início do século XX, mas precisamente na Rússia em 1917, os comunistas de outros continentes criaram os seus PC’s; as guerrilhas Latinas e a ascensão de Fidel e Che em Cuba, em meio às ditaduras militares na América do Sul e o trator imperialista semeando em nossas terras, todo militante do PT quando fazia a defesa da liberdade e democracia, visava esses acontecimentos como base de sustentação da luta autêntica e justa.

Aí entra o estigma das pesadas “falas” que um discurso inflamado proporciona. Quando um petista chegava em uma reunião, festa, bar, sempre tinha alguém para  falar de política, às vezes só no intuito de contrariar pelo prazer de irritar o “xiita” (como nos chamavam), e depois soltar o indefectível :  -“Não dá pra discutir com petista radical, não” . E a gente só estava praticando a democracia e o direito à liberdade.

Hoje em dia já não me julgo mais um “petista”, mas continuo afinado com os interesses em comum. Sou um comunista libertário avulso. Mesmo não usando os jargões socialistas das ruas e das academias, ainda assim sou, vez ou outra, identificado por alguém que me viu em atividade política e, com certeza, ante alguma opinião mais ao centro ou direita que eu der, vai dizer: - ora, você não é PT?”



Ricardo Mezavila

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Nunca ninguém me ofendeu




Um dia perguntaram a Gandhi se ele perdoou todas as ofensas de seus inimigos. Ele respondeu que não, pois ninguém nunca o ofendeu, por isso ele não devia perdoar ninguém.

Quem conhece a agitada vida de Gandhi sabe que ele sofreu as mais gritantes ofensas, não apenas do governo britânico, mas também de muitas pessoas. Se Gandhi afirma que ele não deve perdoar ninguém, pois ninguém nunca o ofendeu, isso nos mostra uma atitude interna de absoluta serenidade e completa liberdade.

A atitude do Mahatma é algo quase inexistente entre as pessoas. Por muito menos ou por nada mesmo, tem gente que, além de sentir-se ofendido, ainda parte para agressão, às vezes com consequências irreparáveis.

A ofensa é como a “liga” de uma massa de concreto, precisa dos ingredientes para que tenha função. A pessoa “ligada” é como a massa disforme que, manipulada, toma a forma que lhe derem. Um pacato cidadão pode se transformar em um inimigo da sociedade quando ofendido, se essa ofensa encontrar fragilidade psíquica e espiritual.

Ofendido fica quem percebe verdade na ofensa. Quando se tem discernimento sobre si próprio e aceitação do que é frágil, então a ofensa nunca será matéria prima para comportamentos e atitudes inaceitáveis.

Ricardo Mezavila