Como sou popular no meu bairro, é
normal que eu receba muitos apertos de mão, abraços e beijos. Eu adoro a
aproximação com as pessoas, mas o que fica depois disso é contestável. Eu não
uso perfume ou desodorante, mas os amigos usam e de marcas diferentes. Quando
chego em casa, depois dos abraços e dos beijos, minha roupa está loteada pelo
cheiro dos meus amigos.
Além dos cheiros das marcas dos
perfumes e desodorantes diferentes, tem o cheiro do cigarro e do meu próprio suor, combinação inflamável que pode explodir em lembranças, saudades e motivos
para novas inspirações.
Hoje estou usando uma camisa
preta clássica dos Beatles e isso faz com que a inspiração, na mesma proporção
do cheiro, seja ainda maior. John Lennon prefere os cheiros mais potentes, com
mais força, que possa transmitir além do que o vento possa ir, como uma
mensagem de amor e de paz, uma ventania que leve a liberdade para além das
fronteiras, das etnias e das religiões.
George Harrison gosta dos cheiros
que lembrem as fumaças da Índia, dos gurus que vivem em cavernas e que
transmitem seus conhecimentos em parábolas, nos vedas e nas orientações do Bhagavad Gita.
É o doce senhor das canções de paz que ele tão bem divulgou por todo o planeta.
Ringo Starr, com sua pegada
sonora, com sua privilegiada posição entre o baixo e a guitarra, faz o coração
pulsar no compasso do cheiro hardcore e, ao mesmo tempo, agridoce, das flores
tropicais que exalam no dia a ternura de uma canção vinda de dentro de um jardim.
Quando já estava pensando em
tirar a camisa, ouvi uma tenra voz, como as vozes da minha infância, como as
vozes dos amigos da esquina, como as vozes das professoras do primeiro período
infantil, as vozes das crianças que faziam barulho nas filas dos refeitórios
enquanto sentiam o cheiro do leite com canela. Então ouvi Paul McCartney
invadindo o resto da noite que ainda havia e como em Yesterday: “Todos os meus problemas pareciam distantes”.
Ricardo Mezavila