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segunda-feira, 24 de março de 2014

A miopia inexistente



Era uma noite chuvosa de 1968, a campainha da minha casa toca e, ao atender, pela “portinhola”, vejo dois homens altos, vestidos com sobretudo e de chapéu. Ficamos nos olhando por alguns segundos até que perguntaram se meus pais estavam em casa. Eu tinha nove anos e não entendia de política, mas sabia que era proibido cantar o hino nacional na rua; não sabia o que era ditadura, mas era obrigado, na escola pública primária, a ficar em fila diante do retrato de um homem com uma faixa presidencial, antes de subir as escadas e entrar na sala de aula.

Retrocedendo um pouco no tempo, naquela mesma década de 1960, dois anos antes do meu ingresso na escola, o presidente João Goulart assinou alguns decretos como: Encampação das refinarias de petróleo privadas; reforma agrária à beira de rodovias, ferrovias, rios navegáveis e açudes e um decreto tabelando aluguéis. Esses decretos contribuíram para a sua deposição.

Avançando no tempo, agora na década de 1970, um ano depois de terminar o segundo grau, uma nova Lei de Segurança Nacional foi promulgada, mais branda se comparada com as anteriores. Era 1978, o regime militar estava perdendo força, é extinto o AI-5, e a abertura política progride lentamente.

A primeira demonstração pública de patriotismo que me lembro foi na copa de 1970, quando “noventa milhões em ação” cantaram  Pra Frente Brasil. Ninguém comentava mais a queda do, então técnico, João Saldanha, responsável por classificar o Brasil nas eliminatórias, mas que era filiado ao Partido Comunista e não queria convocar o folclórico “Dadá Maravilha”. João “Sem Medo” caiu sob alegação de que cortaria o rei Pelé da seleção por ser míope, jogando-o contra a população, que não admitia ver o craque fora da copa.

Foram dez anos desde a noite chuvosa de 1968 até o fim do ato institucional, tempo suficiente para fazer calar a geração que viria após uma eventual conquista popular, e crescemos no obscurantismo.

-“Seus pais estão em casa?” – perguntou mais uma vez um dos homens. Minha mãe chegou logo depois e abriu a porta. Eles se identificaram como sendo Agentes do Governo, eram do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Queriam informações sobre um parente nosso, um tio, que não havia sido encontrado em sua residência. Minha mãe disse que ele não estava ali mas deu permissão para que entrassem. Eu os segui pelos cômodos e reparei que eram mais altos do que aparentavam quando os vi pela portinhola, entraram no meu quarto e esbarraram na minha mesa de jogar botão que caiu, procuraram e, não o encontrando, agradeceram e foram embora.

Fiquei olhando para minha mãe sem entender nada, ela sabia
 o que tinha acontecido ali, não lembro sobre o que conversamos naquela noite, mas o silencio dos dias, meses e anos que se seguiram, foram suficientes para que eu entendesse que ficar quieto não foi a melhor opção.  

E assim crescemos, politicamente, com a miopia inexistente do Pelé.
           
Ricardo Mezavila

           


terça-feira, 18 de março de 2014

A raiz da violência

internet



Quem vive em comunidades desassistidas pelo estado, sabe que um copo de café pode ser confundido com uma arma, e tudo o que se move pode vir a ser abatido e justificado como legítima defesa. Isso demonstra como os profissionais são despreparados para exercerem suas funções básicas. A polícia tem como finalidade constitucional preservar a ordem pública, de proteger pessoas e o patrimônio, e realizar a investigação e repressão dos crimes, além do controle da violência. Todos sabem a quem culpar no lamentável e chocante episódio no Morro da Congonha, onde a trabalhadora e mãe Claudia Ferreira da Silva foi estupidamente e covardemente morta, mas quem é o verdadeiro responsável?

Não acredito que um profissional saia de casa para fazer o que os policiais fizeram assim, deliberadamente. A falta de preparo e treinamento, aliada a carência educativa e cultural, que nos é negada pelo sistema político-pedagógico, contribuem para os equívocos cometidos por essa corrente dominante.

As instituições estão no cerne de todo os processos que conduzem nossas vidas, deveriam ser as estrelas a nos guiar em paz e com felicidade no coração, mas uma nuvem pesada e resistente ao vento não deixa que ela fique visível.

 Há alguns anos, em 2002, realizamos, na Casa do Menor Trabalhador, uma série de fóruns sobre violência que chamamos de: “Colóquio Juvenil sobre a Raiz da Violência”, concebido e ministrado pelo Dr. Paulo Araújo, Médico pesquisador em Medicina Mental, que seria um termômetro para que entendêssemos o porquê de uma turma segregar outra na mesma classe.

Entre todos os jovens participantes, quase a totalidade moradores em comunidades dominadas por facções diferentes, não havia quem não estivesse assustado e confuso com os fatos do dia-a-dia de nossa cidade. Um dos jovens resumiu o colóquio assim: “Fiquei impressionado com a raiz da violência. As crianças da favela seguem os exemplos dos bandidos. Me afastei dos bailes. Prefiro ficar em casa vendo televisão ou vou para a praia. Mudei de endereço. Agora, estou morando com a minha tia para sair daquela situação de risco".

Percebemos durante o colóquio que a crise de identidade é a causa básica dos distúrbios de caráter e de comportamento e que, objetivamente, sustenta as contradições e os conflitos humanos. A falência dos sistemas econômico e financeiro, político, religioso e pedagógico ficaram tão evidentes que parecia que não havia mais nada a ser feito além de reconhecermos que fracassamos.

A experiência que tivemos evidenciou o descaso com a educação, o abandono a que os jovens foram atirados por um sistema agressivo e subserviente às castas privilegiadas.

Isso foi há doze anos e hoje ainda assistimos pessoas trabalhadoras e honestas sendo tratadas como se fossem intrusas na sociedade, espezinhadas em seus direitos, oprimidas pela sonegação de conhecimento, alijadas por identificação étnica e econômica.

As cenas em que Claudia é arrastada pelas ruas por um carro governamental, define muito bem o lugar em que o governo quer que fiquemos.

Ricardo Mezavila.


quinta-feira, 13 de março de 2014

O monstro dentro de você



Todo mundo já ouviu dizer, ou disse, que há um monstro dentro de cada um de nós. Isso significa que há desejos reprimidos, vidas insatisfeitas e rotinas maçantes pedindo mudança, exigindo urgência nas atitudes. Mas tem gente que alimenta o monstro de inércia, apatia e fraqueza. E, não demora, ele surge destemido para lutar contra o nada, para ferir quem estiver por perto, para depois voltar à caverna e miar como um gatinho diante da sua acomodação.

Um amigo contou que o monstro saiu de dentro dele procurando justiça com as próprias mãos, colocando em risco a sua integridade física e moral. Sem entender o que fazia, assim, de repente, numa explosão emocional e insana, ele decidiu vingar a sua filha que tinha sido assaltada. Saiu, quer dizer, o monstro saiu de casa, percorreu todo o quarteirão atrás do ladrão e, felizmente, segundo ele mesmo, não o encontrou. Ufa! Ainda bem.

Espiando pela janela da casa do amigo percebi que ele não é feliz, ele deixou de lado algumas coisas que a gente não pode perder enquanto envelhece, como por exemplo: a capacidade de gostar e de fazer o que se gostava e se fazia com prazer. O tempo passa de qualquer jeito, envelhecer não significa deixar de ser jovem, mas é saber que a juventude ainda permanece naquilo que ainda gostamos de fazer.

Esse monstro não existe dentro de ninguém, o que parece ser o monstro, não passa de uma compensação para as frustrações e arrependimentos, uma saída de emergência para quem está trancado dentro do apartamento em chamas. O monstro não quer caçar ladrões nas ruas, não quer ser o herói do dia, quando surge ele só está dizendo que não aguenta mais a passividade e a falta de perspectiva dele, o “monstro”.

A imagem que tenho é que o monstro se parece com aquilo que nos fizeram chamar de “o gigante adormecido”, a imagem de um gigante de pedra que vai se levantando devagar, fica sentado, depois de joelhos e, finalmente, se levanta como quem chegou para mudar e tomar conta de tudo. Essa imagem é positivamente bacana, fique com ela e esqueça a lenda do monstro e tudo fará mais sentido nos seus dias.


Ricardo Mezavila

terça-feira, 11 de março de 2014

Eike Batista pode acabar no Irajá

internet


Se a vaca pode ir para o brejo, Eike Batista pode ir para Irajá. Estiloso bairro da zona norte do Rio, que serviu de ambiente para a peça realista “Greta Garbo, quem diria, acabou no Irajá”, escrita por Fernando Mello, que narra a história de um viciado solitário e cheio de conflitos que sonha ser Greta Garbo, atriz sueca, eleita pelo instituto americano de cinema como a quinta maior lenda da sétima arte. Daí, “acabar no Irajá” virou bordão para, “quem diria”, um dia foi Greta Garbo.

Talvez parar no Irajá não seja nada se comparado ao fato de o empresário ter feito empréstimo de US$ 2 bilhões, tudo bem se fosse no BNDES, FMI, mas foi de um fundo soberano chamado Mubadala, que pertence a alguém, com todo o respeito, não me queira  mal porque sou gente boa, de nome Abu Dhali, com sede na United Arab Emirates.

Outro dia um amigo reclamou que vinha sofrendo ameaças de um agiota que cobrava duzentos paus que ele pegou de empréstimo. “Os “caras” ligam para a minha sogra ameaçando tomar a casa dela”, disse o amigo temeroso. Se os credores de Eike tiverem essa prática comum de cobrança aqui no Brasil, imaginem como o farão. Estamos todos correndo perigo. A ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), isso está nos jornais,  trabalha com a possibilidade de grupos extremistas tentarem impedir a Copa do mundo. Vai que esse grupo tem alguma coisa a ver com as dívidas do Eike.

Um amigo, assalariado como eu, disse que queria estar “pobre” como o empresário, pois mesmo assim seria rico. É verdade e é mentira. Podemos ser ricos sem dinheiro também, mas ninguém se importa em ter uma família unida, amigos AMIGOS, saúde, paz,  fé e uma cervejinha gelada aos domingos, até que percam tudo. Essa riqueza o dinheiro não compra, porque não tem preço, e nem todos os fundos soberanos do mundo são capazes de construir igual.

Ao Eike, mesmo que esteja quebrado, ou quebrando, peço que erga a cabeça, como nós no subúrbio costumamos fazer quando perdemos o emprego e somos despejados, que siga em frente com força nos braços, como fazemos quando estamos com nossos filhos no colo em um corredor de hospital público implorando atendimento, que tenha pensamentos positivos, como os nossos todas as noites quando vamos dormir e rezamos para que o amanhã não nos tire mais nada.

Ricardo Mezavila


domingo, 9 de março de 2014

Um dia chegamos às Índias

internet


Neste ano vão completar cinqüenta e cinco anos desde o meu nascimento, e me dei conta que há vinte e cinco eu estava vivo há trinta e que daqui a vinte e cinco, provavelmente, vou estar vivo por oitenta. O número vinte e cinco é determinante para todos nós, quando completamos essa idade sentimos os primeiros sinais de que o tempo está passando, tenho a certeza de que você que está lendo agora, se já completou vinte e cinco ouviu alguma coisa tipo: “Tá completando ¼ de século, hein!”. Pela primeira vez ficamos de cara com a velhice, mesmo que seja uma coisa distante.

Vinte e cinco anos partindo do zero é tranquilo, mas depois dos trinta começa a fazer efeito, deixa de ser simbólico e começa a ser realidade, o tempo começa naturalmente a  pesar no esqueleto, as horas depois do sono são acompanhadas de dores lombares, as letras vão ficando cada vez mais distantes dos olhos. Quando completamos vinte e cinco anos depois dos trinta temos de nos preparar para a próxima jornada com mais empenho e menos excessos.

Mas é bom lembrar que, com todos os cuidados inerentes ao tempo em que deixamos marcas dos nossos pés no chão da vida,  não podemos nunca ficar isolados dos prazeres, é importante também que a adrenalina seja lançada na corrente sanguínea de maneira positiva como: O calor do beijo, a ansiedade de esperar alguém, o primeiro dia no novo emprego, a consulta na lista do vestibular, a “tortura” nos corredores da maternidade.

Qualquer que seja a idade, importante é ter qualidade na vida social e pessoal. Se possível, fazer aquilo que dê prazer, participar do coletivo, ser minimamente conhecido no local onde mora, cuidar de animais, nunca se internar por conta própria nos inacabáveis dias de tédio, não ficar tão íntimo dos apresentadores e da programação das TVs.

Após o primeiro contato prematuro com a velhice, aos vinte e cinco anos, é comum outros clichês a cada ano de aniversário. A tão batida,  “Já tá dobrando o cabo das tormentas, hein!”, é uma das mais ouvidas. Mas cabe lembrar que o Cabo das Tormentas também é conhecido como Cabo da Boa Esperança, que os navegadores ao dobrá-lo perceberam que havia ligação entre os oceanos Atlântico e Índico e que por ali seria o caminho ideal para chegar às Índias.


Ricardo Mezavila




sábado, 8 de março de 2014

Quem é da Crimeia não “bobéia"



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Qualquer Ucraniano conhece Taras Shevchenko, grande escritor, poeta, cantor, artista plástico e símbolo nacional da Ucrânia, que lutou até o último dia da sua vida pela independência daquele país, no século XIX. Em um de seus poemas escreveu: “Lavem a sua liberdade com o sangue dos inimigos”. E é em frente à sua estátua que centenas de ucranianos encontram-se para protestar contra a presença militar russa na Crimeia.

Como se sabe a Crimeia é uma república autônoma (chama-se assim por ter um certo grau de autonomia do país a que pertence), da Ucrânia, localizada na península do Mar Negro, está no centro da disputa entre a Ucrânia e a Rússia. O ex-presidente da Ucrania fechou acordo comercial com a Rússia em detrimento à União Européia e o parlamento da Crimeia por unanimidade votou a favor da anexação da península à Rússia, tendo iniciado manifestações pelo país. Com a intenção de dar legalidade ao acordo, foi agendado um referendo para o próximo dia 16, mas para a população etnicamente ucraniana, que representa 25% da população, não há base legal que faça com que a Crimeia pertença à Rússia, e estão querendo boicotar o referendo por considerá-lo ilegal, receiam perder direitos caso o governo russo assuma o governo da região. Já a população russa que vive na Crimeia vai votar e o resultado pode ser o estopim para o início de algo maior e temeroso.

Alguns conspiradores de plantão veem nesse embate a possibilidade de a União Européia abocanhar a Ucrânia para as suas bandas, aliada à Obama que, segundo os conspiradores, pensa em aproximar mísseis das fronteiras russas caso a Ucrânia faça parte da União Européia e,conseqüentemente, da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Conspirações à parte, o governo interino da Ucrânia, que é pró União Européia, e o governo russo tem que administrar a situação com diplomacia para que uma eventual vitória a favor da Rússia não se transforme em guerra naquela região.

A provável pergunta que será feita no referendo é: "Você é a favor da reunificação da Crimeia com a Rússia como parte da Federação Russa?" A consulta popular terá uma segunda questão: "Você é a favor que volte a vigorar a Constituição da Crimeia de 1992 e o status da Crimeia como parte da Ucrânia?".

Barack Obama sustenta que o referendo violará o direito internacional, mas o governo da Ucrânia, apoiado pelo presidente americano, disse que lançará um procedimento para dissolver a assembléia regional da Crimeia, ou seja, será uma violação apoiada pelos EUA.

A quem apoiaria o poeta Taras Shevchenko se vivo estivesse. Pesquei essa frase de um se seus poemas que é a cara de um dos personagens dos acontecimentos: “Abra a taberna: Ó, taverneiro maldito! Ou terás de arrepender-te... Abra logo! Derrubem as portas, até que apareça o velho trapaceiro inútil!”

Aos dois milhões de habitantes da Crimeia, expresso a solidariedade de quem viu a unificação de seu estado sem referendo nenhum, na marra. Deixo também a minha mensagem dentro do meu carioquês: Quem é da Crimeia não bobéia!

quinta-feira, 6 de março de 2014

Patrulha inútil


patrulheiro rodoviário


Uma prática muita utilizada nos meios de comunicação, a patrulha ideológica, esteve rondando os acontecimentos nas últimas semanas. Essa nova temporada teve início uns meses atrás quando artistas se posicionaram contra as biografias não autorizadas. Logo apareceram os “patrulheiros” barulhentos, ligaram o liquidificador e fizeram uma sopa de entulho, triturando frases retiradas dos contextos.
            Recentemente um baiano tropicalista saiu em defesa de um deputado acusado de financiar um grupo xiita. Quase que imediatamente uma “patrulheira”, também deputada, tratou de questionar o “Menino do Rio”, como se ele não tivesse o direito, ela também tem, de expressar a sua opinião.
            Agora o rei da música vem sendo patrulhado pelos caçadores de opinião, pelos urubus da liberdade de expressão, que lhe cobram coerência, ética e fidelidade. Oh, o rei está nu, ele come carne! Ninguém nasce vegetariano, existe a tentativa de ser vegetariano, a proteína animal é inerente à alimentação humana. Se não fosse a patrulha ideológica, os vegetarianos iam poder mastigar tranqüilos um churrasco de vez em quando, isso evitaria o constrangimento de serem vistos na fila do açougue.
            Sem querer patrulhar, mas já patrulhando, o reino sempre viveu o silêncio dos resignados, a monarquia festiva locupletou mais do que retribuiu. Vejo coerência nas atitudes da classe artística, ela nunca foi politizada em função do coletivo, sempre foi individualista e voltada aos seus interesses, trata o povo como se fosse simples platéia.  Contrariando os versos da oração de São Francisco, recebem mais do que dão. São nuvens levadas pelo vento das oportunidades.
            E por falar em contrariar, os ministros do supremo contrariaram o país e absolveram os mensaleiros do crime de formação de quadrilha.

Toda a corte artística da Terra Brasilis, desde o rei, passando pelo príncipe, até chegar ao bobo, nunca se manifestou quando as coisas e o tempo precisaram de sua voz; omitiu dizer ao povo aquilo o que realmente interessava; ficou muda enquanto outros, mais corajosos, saíram às ruas e não voltaram mais.  Claro que há exceções, vou citar duas, na minha opinião, e não vou omitir seus nomes: Taiguara e Gonzaguinha.Uma prática muita utilizada nos meios de comunicação, a patrulha ideológica, esteve rondando os acontecimentos nas últimas semanas. Essa nova temporada teve início uns meses atrás quando artistas se posicionaram contra as biografias não autorizadas. Logo apareceram os “patrulheiros” barulhentos, ligaram o liquidificador e fizeram uma sopa de entulho, triturando frases retiradas dos contextos.
            Recentemente um baiano tropicalista saiu em defesa de um deputado acusado de financiar um grupo xiita. Quase que imediatamente uma “patrulheira”, também deputada, tratou de questionar o “Menino do Rio”, como se ele não tivesse o direito, ela também tem, de expressar a sua opinião.
            Agora o rei da música vem sendo patrulhado pelos caçadores de opinião, pelos urubus da liberdade de expressão, que lhe cobram coerência, ética e fidelidade. Oh, o rei está nu, ele come carne! Ninguém nasce vegetariano, existe a tentativa de ser vegetariano, a proteína animal é inerente à alimentação humana. Se não fosse a patrulha ideológica, os vegetarianos iam poder mastigar tranqüilos um churrasco de vez em quando, isso evitaria o constrangimento de serem vistos na fila do açougue.
            Sem querer patrulhar, mas já patrulhando, o reino sempre viveu o silêncio dos resignados, a monarquia festiva locupletou mais do que retribuiu. Vejo coerência nas atitudes da classe artística, ela nunca foi politizada em função do coletivo, sempre foi individualista e voltada aos seus interesses, trata o povo como se fosse simples platéia.  Contrariando os versos da oração de São Francisco, recebem mais do que dão. São nuvens levadas pelo vento das oportunidades.
            E por falar em contrariar, os ministros do supremo contrariaram o país e absolveram os mensaleiros do crime de formação de quadrilha.
Toda a corte artística da Terra Brasilis, desde o rei, passando pelo príncipe, até chegar ao bobo, nunca se manifestou quando as coisas e o tempo precisaram de sua voz; omitiu dizer ao povo aquilo o que realmente interessava; ficou muda enquanto outros, mais corajosos, saíram às ruas e não voltaram mais.  Claro que há exceções, vou citar duas, na minha opinião, e não vou omitir seus nomes: Taiguara e Gonzaguinha.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A mãe do Ivan não engraxou os sapatos da minha tia

tropicalia


Nós que já colocamos Keith Richard como integrante dos Beatles por merecimento, não por confusão ou desconhecimento de música; também mantemos uma certa distância do super astro Mick Jagger, só porque não gostamos de achar que ele é o líder dos Rolling Sotnes, não o reconhecemos além de uma caricatura bucal; também trocamos comer lasanha vegetariana com Elton John, só para sair com Ronnie Wood e assisti-lo a enrolar um baseado.

Da varanda de Unamar, palco das nossas alucinações tropicalistas, às vezes confundimos Oswald de Andrade com Câmara Cascudo, mas nunca mais chamamos Capinam, na foto, nos braços de Gil, de Helio Oiticica; já a Nara sempre esteve por ali na moldura junto a Caetano, os Mutantes, Gal, Torquato Neto, Rogério Duprat e Tom Zé.

Nas esquinas dos clubes, onde se vai mais um dia, bebemos sim;  até a “enluarada” Elizeth sentada na calçada bebia nas noites passadas. Aqui Vinícius e João não são muito bem-vindos, quer dizer, por mim sim, mas o que vale é o coletivo, prevalece a discussão, aliás, por falar em coletivo, o de cerveja é cervejaria.

Na madrugada minha tia lembra de  contar que a mãe do Ivan, seu antigo vizinho,  vivia em um orfanato em frente ao internato, onde ela estudava. As meninas do orfanato eram enviadas para engraxar os sapatos das meninas do internato; minha tia não permitia que engraxassem os seus, não achava justo. E não era mesmo.

O carnaval passou e deleitei com a superioridade das musas magras sobre as deformadas; com a moela da segunda saboreada por um tio de primeira. Eu concordo que “Esquinas” é uma canção linda de Djavan e que João Donato é o luxo da música brasileira; concordo que  filosofar em  baianês é engraçado; concordo encabulado com o que minha tia falou sobre mim e João Ubaldo; concordo que mortadela fica bem em qualquer tipo de pão, e também concordo que a mãe do Ivan não tinha que sair do orfanato para engraxar os sapatos das meninas do internato. Tenho dito!


Ricardo Mezavila