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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A Lista de Mezavila

vandalismo poético



É comum quando os pais saem com seus filhos pequenos, principalmente em eventos com público, escrever o seu nome, endereço e telefone, para que, caso ocorra um eventual desencontro, a criança possa ser identificada por outra pessoa e essa tenha como contactar seu responsável. Tem pessoas que, quando são submetidas a uma internação hospitalar, para uma cirurgia, deixam uma lista com a família sobre o histórico da doença e os remédios de que fazem uso, e também as senhas dos cartões de crédito caso algo ocorra de maneira inesperada.

Nunca, graças a Deus, meu corpo foi submetido a alguma intervenção cirúrgica, não que já não precise, mas isso é outra história. Então fico imaginando como será quando eu, inevitavelmente, partir para o “sacrifício”. Vai ser mais ou menos assim a minha “lista”: Nasci de parto normal, em uma manhã de julho, no inverno de mil novecentos e cinquenta e nove. Sou filho do meu pai e da minha mãe. Meu sangue é vermelho, sou etnicamente diversificado, minha religião não tem nome, minha pátria é a Terra.

E continuo: Ao entrar aqui, deixei lá fora muitas pessoas que amo, com quem divido a minha existência. Se eu não voltar diga a elas que meu amor, de tão grande, ganhou a dimensão do céu e explodiu em milhões de estrelas invisíveis aos olhos, mas que estarão presentes no sorriso de todos quando lembrarem de mim.

Tem mais: As coisas que me pertenciam podem doar, aliás, por favor, doem tudo que for possível do meu corpo, a grandeza desse gesto sempre foi motivo de emoção para mim e, agora que já não me fazem falta, podem abrir as portas da vida para quem está lá fora esperando a hora de entrar.

Para terminar: Se existe um tesouro na vida, são os nossos filhos e netos, a esses eu deixo o mapa da mina, onde está o grande baú ,o meu coração, guardando o meu bem mais valioso: a minha poesia.

Ricardo Mezavila

terça-feira, 23 de outubro de 2012

É mesmo, Brandão?





Habituado a almoçar e jantar novela, o brasileiro é chegado a um ato de heroísmo individual, acredita que, sozinho, alguém pode emergir das ondas maléficas, ou das cinzas incandescentes e surgir com seus super poderes para salvar a sua pele e honra; tem fé na ressurreição do herói morto, na ascensão do paladino da justiça, do cavaleiro da luz e da esperança. 

A mídia faz isso: Escreve o roteiro, distribui os papéis, faz a divulgação e massifica. O que acontece nos bastidores da realidade crua não interessa aos indicadores de audiência, são irrelevantes na visão dos patrocinadores. Pois bem, fomos educados a acreditar na versão, segundo as expectativas do dominante (sem patrulha ideológica, por favor), e o outro lado da notícia ou, os outros lados, são camuflados para debaixo do tapete da conveniência em nome da imagem e do dinheiro.

O salvador pode vir de toga, fraque, farda, ou camisola. O importante é habituar o rebanho à base de pitorescas pirotecnias embutidas nas entrelinhas, sublimadas pela dicção de quem transmite a linha de notícia.  

As biografias dos heróis instantâneos são recheadas de momentos dramáticos, “o povo gosta de circo”, para que todos fiquem penalizados e, ao mesmo tempo, orgulhosos da sua perseverança e determinação. O foco são as suas palavras, o jeito com que se posiciona diante da arena. Ninguém questiona se suas decisões excluem, ou omitem fatos e responsabilidades de um ou outro personagem da “trama”.

Nosotros trabalhamos e recebemos para isso, é uma das lógicas capitalista, se voce trabalha é remunerado. Certa vez, em uma empresa em que eu trabalhava, o gerente afixou esse cartaz: “VOCÊ É PAGO PARA ISSO”. Era uma mensagem para evitar que alguém ficasse de migué no local de trabalho. E assim eu vejo os heróis fabricados pela imprensa, que monopoliza e excita o clamor popular de uma gente carente de braços fortes e mães gentis: VOCES SÃO PAGOS PARA ISSO!

Quando eu retornava da escola, ensino fundamental, o primário e o ginásio de antes, almoçava ouvindo um programa de esportes na Rádio Nacional, junto com minha mãe. Entre os jornalistas havia o Brandão que costumava a fazer participações óbvias e ouvia dos outros ironicamente: _ “É mesmo, Brandão?” Esse é o meu jargão para quem surfa nas ondas das passeatas tipo :Valeu, STF!

Ricardo Mezavila

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Abelhas da Primavera




De longe ouço a voz dos irmãos, que um dia estiveram por aqui e me beijaram o rosto, riram a minha risada e olharam para o vazio das perguntas sem respostas. Longe, ouço todas as canções que um dia nós fizemos, em harmonia com a natureza, com o vento, que sempre vive entre um silencio e outro. As árvores vão balançar as suas folhas, o asfalto vai queimar os nossos pés, as máquinas irão funcionar com seus tons de suor, a lua reinará na noite abençoando nossos sonhos.

De longe, lá de longe, ouço a voz dos irmãos que um dia pisaram na calçada que pisamos, desceram as ladeiras debaixo da chuva e olharam quando o arco-íris despontou no céu, balançaram a cabeça sorrindo de uma borboleta colorida repousando em uma flor, sentaram no muro da casa da esquina e coçaram a cabeça de um pequeno cãozinho.

De longe, mas cada vez mais longe, ouço a voz dos irmãos que se foram em uma manhã ensolarada, pegando carona na garupa de um raio solar, saltando as nuvens e brincado com os pássaros, atravessando o tempo de uma respiração e o espaço entre uma e outra batida do coração.

Fiquemos todos de sentinela, pois a vida passa com a doçura do mel, mas também com os ferrões da pequena abelha que o produz. Fiquemos alerta para que a surpresa não nos recepcione na próxima estação, toquemos o barco com o remo firme em nossas mãos para que uma onda maior não nos surpreenda.

Lá vai a voz misturando-se com o barulho da cidade, sumindo no calendário como a antiga roupa que usamos na formatura. As calças já podem estar curtas, já podem faltar botões nas camisas, a comida vai esfriar em cima da mesa, a poeira dos sapatos vai acomodar entre o cadarço e a sola, e os sinos vão tocar uma canção diferente na primavera desta manhã de sol e de saudade.

Ricardo Mezavila

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Não vim de tão longe para você mandar eu voltar outro dia




Quando abrimos os olhos, pela manhã, o universo inteiro nos dá as boas vindas, nos recebe com suas energias renovadas. Não percebemos de imediato, mas logo vem um pensamento nos avisar de que o dia é nosso, que o nosso dia é hoje. Isso acontece desde sempre, todos os dias. Então levantamos e calçamos os sapatos da rotina, vestimos as roupas das obrigações e caminhamos, esquecidos de que fomos recebidos pelo universo de braços abertos, mergulhamos no dia comum e descartamos o dia especial.

Durante toda a vida o ciclo do “esse dia é seu” se renova independente da nossa vontade ou conhecimento. Ele é um dos elementos vitais que nos mantém acesos, bonitos, perceptíveis e disponíveis.

Isso me faz imaginar a cena de uma mulher caminhando por estradas, debaixo do sol, da lua, das nuvens, da chuva e das estrelas. Ela caminha sempre para frente, na direção que apontam os dedos de seus pés. Ela sabe que, se não parar de caminhar nunca, chegará ao mesmo lugar de onde partiu; e se desistir da caminhada nunca saberá se conseguiria realizá-la.

Quando se sente cansada a ponto de pensar em desistir, ela mexe os dedos dos pés, e é como um afago na sua determinação. No percurso encontra placas com dedos apontando “ali”, “aqui”, “lá”, mas ela segue a direção de seus próprios dedos, assim, como uma folha que, caída na corrente de um rio, dança movimentos clássicos de um ballet renascentista, valorizando a coreografia e fazendo brilhar a bailarina.

Essa mulher está em todos nós, dorme e desperta conosco, abre a porta para a gente entrar em casa, descobre a chave das nossas lembranças perdidas, avisa quando o amor está por perto esperando a hora, surge na janela e pede um sorvete de morango, ri de tudo que a gente fala. Ela é a vida, uma senhora tão bonita como os sonhos dos nossos filhos. Tão grande quanto as pequenas coisas do dia a dia, tão pequena quanto as grandes coisas que desperdiçamos por medo.

Então abrimos os olhos e tudo está lá novamente: Nós, o mundo e a vida. Vamos vivê-la hoje, ela não é alguém que a gente possa pedir para voltar outro dia.


Ricardo Mezavila

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Áspero como capim



Estar em uma roda conversando, socializando, pode ser uma aventura e até uma viagem pelo tempo e pela história. A diversidade das profissões, do conhecimento de mundo, da rotina acadêmica, do “coçar saco”; as variações culturais e seus efeitos diante do contrário, tornam um simples bate papo em uma batalha egocêntrica permeada, basicamente, pela incoerência, ufanismo, arrogância e o ridículo.

Durante a conversa descobre-se que alguém pode ser tão genial quanto um cientista, um atleta, um compositor, um artista. E, de certo, podem mesmo, mas geralmente o tempo decidiu por não deixar co-existir na mesma época gênios tão “fundamentais” para a humanidade.

As façanhas, principalmente aquelas que ninguém presenciou, são de fazer inveja àqueles que as tornaram reais. É a hora de extravasar frustrações, decepções e medos, ou meramente mentir, ou usando do eufemismo pouco provável nas discussões, não falar a verdade.

Eu mesmo já coloquei no “banco” (como se diz quem está na reserva de alguém no futebol), alguns craques campeões do mundo, na adolescência, é claro, quando todos buscavam espaço e ninguém sabia que eu treinava no São Cristóvão; tenho amigos que “foram” ao show do Led Zeppelin em N.Y. e tocaram os cabelos do Robert Plant: “áspero como capim” –disseram.

Quem não distrai, quer dizer, não perde a atração daquilo que só é visível e palpável, perde a essência de uma vida ilustrativa, contemplativa em que se pode dividir a inocência dos delírios, a cobertura doce, o recheio de doce de leite, o glacê da mentira, e lamber o "beiço" de uma amizade.

Ricardo Mezavila