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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Retrospectiva (?)



Não gosto das retrospectivas de final de ano porque dão a entender que um ciclo foi encerrado e outro ciclo vai começar. Ciclos não duram trezentos e sessenta e cinco dias exatos,  podem durar até menos em alguns casos, mas a ditadura do calendário é ofensiva. Percebo que há uma atmosfera depressiva no mês de dezembro por conta da aproximação de um provável fim e ao mesmo tempo um clima de festa por um ano novo, mas a esperança que depositamos no reveillon não dá as caras, porque janeiro é o mês da ressaca, das despesas, dos impostos e  taxas abreviados pelas "letrinhas".

A retrospectiva que eu queria é a que eu não lembro, a que não vivi. Queria saber o que meus pais conversaram no primeiro dia que se conheceram; se foi com o pé direito ou esquerdo o meu primeiro passo; qual o nome da enfermeira que me levou para o berçario; se fazia sol ou se chovia na noite em que meus avós decidiram ficar juntos; queria sentir o cheiro da madrugada na rua que minha mãe caminhava; ouvir a música que tocava no rádio quando pela primeira vez fui para a escola; tocar no tecido da camisa que meu pai ganhou de presente de seus padrinhos.

Faça uma retrospectiva interior, misture a realidade com as expectativas,  e descubra que a maioria das coisas que acontecem hoje tiveram o começo em uma ação ontem. Pode parecer óbvio mas não damos às consequencias o valor que elas merecem, ou não reconhecemos seus sinais. Caminhe com os olhos atentos e os passos firmes, na esquina de dois mil e treze tem muito mais do que os dias de dois mil e quatorze. Você não vai encontrar um carro novo te esperando e nem vai abandonar o carro velho que dirige. O que vai acontecer é um simples trocar de roupas, uma risada, um andar para frente.

RIcardo Mezavila

Dez mil fios de cabelos depois...



Ainda tenho a cabeça na União Soviética. Descobri isso ontem, quando me disseram, à noite, que Mikhail Gorbachev havia morrido. Fiquei espantado. Morreu? Mas eu não li nada sobre isso durante o dia todo! Disse isso com sentimento de alienação socialista, coisa impossível há duas década, mas que veio esfriando com os caminhos de anulação da condição da União Soviética de estado socialista.

Bem, quem morreu não foi o estadista condutor da Glasnost e Perestróica nos anos noventa, aliás nunca tive simpatia por ele e nem pelas reformas neoliberais que culminou com a queda do muro  de Berlim. Tudo bem, não sou a favor de muros, mas gostava de ficar com o pensamento do lado oriental. Se isso  alimentava minhas palavras com ideais marxistas, do outro também era alimento da guerra fria e isso nunca foi saudável.

Esclarecendo os fatos, quem morreu foi  Mikhail Kalashnikov projetista do fuzil AK-47. Mikhail tem uma história na política soviética, nasceu logo após a revolução de 1917, tendo sido convocado a integrar o exército vermelho em 1938. Recebeu muitas homenagens e comendas, incluindo a Ordem de Lênin e a de Herói do Trabalho Socialista. Incrível como o projeto que lhe deu fama e prestígio no século passado esteja nas mãos dos traficantes hoje.

Para simbolizar o que eu penso, ainda penso sobre política, eu queria que o senador  que viajou no avião da força aérea brasileira irregularmente para cuidar da vaidade capilar  devolvesse, além da verba relativa a passagem,  os dez mil fios de cabelos que implantou na sua cabeça vazia de espírito público, mas cheia de improbidade e desrespeito. Gorbachev não morreu não, né?


Ricardo Mezavila

domingo, 22 de dezembro de 2013

Tá faltando poeta no Rock




Nem só da pobreza econômica vivemos, temos também a carência estética e intelectual assolando a nossa cultura. Talvez a primeira frase, capaz de se transformar em literatura, dita em nossas fronteiras tenha sido : "Terra à vista!" A partir disso os piratas invadiram o nosso presépio e, até hoje, tentam nos convencer que o menino representado é branco, de olhos azuis e cabelos lisos.

Tá faltando poeta no rock, mas não falta poesia porque ela é matéria prima, assim como o diamante bruto, precisa de mãos para lapidar. Não é qualquer palavra escrita em uma sequencia métrica, isso é brita, a poesia é muito mais do que conjecturar uma ideia, é como voar sem asas, sonhar acordado, descobrir o descoberto.

Daqui a pouco Donato vai chegar e eu não quero que seja anunciado, porque Donato não é pessoa que se anuncie, disse Gil antes de compor A PAZ, com João Donato dormindo no sofá. É assim: A poesia não precisa se anunciar, ela vem pelas paredes do prédio, pelo sistema de esgoto da casa, pela porta dos fundos, pelas fechaduras e, às vezes, vem grudada na sola do sapato.

A poesia transcende a esfera do conhecimento lógico, é preterida pela preguiça porque o poeta nunca descansa, está sempre em movimento, ora contra, ora a favor, ora coisa nenhuma, mas sempre conectado com a possibilidade, sempre alerta ao barulho que pode anteceder a uma apoteose hermética, ou a uma erupção epidérmica provocando coceiras literárias.

Tá faltando poeta no rock, assim como tá faltando oxigênio limpo na atmosfera. Poesia é o ar puro que precisamos para que o corpo tenha uma conexão espiritual constante. É um presépio com meninos negros, reis nascidos operários e animais que representem a água, o ar e a terra. Por enquanto vou bebendo poesia no intervalo do sono de Donato.

Ricardo Mezavila

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Alto em cima!



Quem passa de metrô ou de trem entre as estações de Triagem e Maria da Graça vê um cenário desumano exposto às claras. Não tem como não ficar politicamente indignado e humanamente triste com a cena. Jovens em total estado de incivilidade, dominados pelas drogas, passam os dias dormindo-roubando-fumando, bem debaixo do nariz do poder público. Aquilo não é caso de polícia, é falta de socialização e de programas eficazes na educação pública. O que era para ser saudável e produtivo vira doença e improdutividade; o que era para ter beleza e alegria é distorcido pelo ambiente degradado. Pelo menos trezentos jovens vegetam à margem da ferrovia, socialmente invisíveis à sociedade, “protegidos” por plásticos e papelões em meio aos escombros e ratos.

O Brasil, desde sempre, prima pela incapacidade de reconstruir uma forma de reparar os erros históricos que vem desde o descobrimento. Fomos o país que mais escravizou e o último a abolir a escravidão oficial. Na Lapa, os escravos das drogas, ficam deitados no chão, pedem dinheiro, seguram as pessoas. A onda de violência e ataques de usuários de crack tem levado comerciantes a fecharem seus estabelecimentos.

Refleti sobre isso quando voltava da gravação do programa da Angélica. Os meninos da Casa do Menor Trabalhador foram convidados a participar do programa na companhia do cantor Naldo, que foi engraxate na instituição. Ele recordou dos tempos difíceis com a família, da grana curta, do preconceito e dos sonhos que ele nunca abandonou apesar das adversidades.

Os meninos ouviram com atenção, eles também têm sonhos, são pobres como o ídolo foi e convivem muito próximos da realidade daqueles outros jovens onde o sonho vai distante e viaja na fumaça das drogas.

No recorte socioeconômico a pirâmide social tem um novo retrato que considera além da renda, a escolaridade, o acesso a bens, a composição familiar e região, como indicadores de pobreza.

Na terra onde o rico, mesmo presidiário, continua no topo da pirâmide, com direito a se aposentar e trabalhar por um salário de vinte mil reais, fica difícil para quem vem das camadas menos privilegiadas chegar no alto e muito menos ficar por cima, como sugere o Naldo na música, em outro contexto.
               
Ricardo Mezavila