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terça-feira, 26 de maio de 2015

Da lama do blues, uma lenda




Este artigo foi publicado em O GLOBO
http://oglobo.globo.com/opiniao/da-lama-do-blues-uma-lenda-16242191

Diz a lenda que nos anos 30, em uma encruzilhada em uma rodovia de Clarksdale, no estado americano do Mississipi, o então solitário e desconhecido músico Robert Johnson teria vendido sua alma ao diabo em troca do talento no blues. O diabo tomou o violão de suas mãos, afinou um tom abaixo e o devolveu a Johnson. Esta lenda é contada em algumas músicas de sucesso do bluesman como “Me and the devil blues”.

Robert Johnson tinha vinte e sete anos quando negociou sua alma. Daquele encontro inusitado e satânico, teria nascido a semente do rock n’ roll e a maldição dos 27 anos, idade de Johnson. Outra faceta oculta do rock que levou embora ícones como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison, Brian Jones e Amy Winehouse, recentemente.

Contrariando a lenda e o mito de que é preciso se afundar na lama do blues para ser um bom guitarrista, Blues Boy King, ou B.B. King, que vai tocar eternamente em nossas vitrolas, não bebia e não precisava das drogas para entrar em cena. Ganhou vários prêmios durante sua longa carreira, era considerado o rei do blues. Uma vez perguntaram à John Lennnon qual era sua maior ambição, ele respondeu que era tocar guitarra como B.B.King.

Respeito muito a genialidade de B.B. King no trato com “lucille”, era assim que ele chamava sua Gibson, mas sou atraído pela lenda e por todo absurdo que possa vir a ser produzido por ela. Sair do palco e entrar em um avião para tocar na Bósnia, América Latina, África, Oriente Médio, é uma atitude profissional e socialmente engajada, mas sair do palco e descer em um porão sujo para trocar ideias com estudantes bêbados é filosofal, é alquimia.

A lama do blues também podia servir de trilha sonora para “Fausto”, poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe. Fausto era o favorito de Deus. Mefistófeles, o bruxo do inferno, apostou que conquistaria sua alma. Quando passeava na rua em uma noite, Fausto foi seguido por um cão vagabundo até sua casa. Chegando lá o cão se transformou em Mefistófeles. Fizeram o pacto e Fausto se transformou em um jovem bonito, rico e tinha a mulher que escolhesse.

Havia uma cláusula no pacto de que Mefistófeles só levaria a alma de Fausto quando criasse uma situação de felicidade tão plena, que fizesse com que ele a desejasse para sempre. O blues é essa felicidade plena, é o prazer da vida em troca da condenação da alma. Mefistófeles é um senhor de bom gosto, afeito à música, às artes, à poesia. Eu, quando escrevo, não sinto a adrenalina de anjos batendo asas. O diabo cumpriu seu acordo com Mrs. Johnson. E como disse Mark Twain: ”Prefiro o céu pelo clima e o inferno pela companhia”.


Ricardo Mezavila.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A bravata velada do 13 de Maio




Pego na mão do contraditório para acender um fósforo nas palavras incendiárias deste texto, que pretendem soprar as cinzas dos crânios adormecidos. Então, o que o a redução da maioridade penal, o aborto e a pena de morte tem em comum? A princípio são diferentes, mas todas não passam de polêmicas para encobrir um outro tema provocativo que corrói as entranhas da sociedade: O Racismo!

O crime de aborto é realizado “à balde” nas camadas mais privilegiadas, simples assim, como é a inseminação artificial. As condições em que essas ações são realizadas não produzem risco de morte, pois são feitas em clínicas sofisticadas, higienizadas, em absoluto sigilo e muito bem remuneradas. Já nas camadas menos privilegiadas o aborto acontece em condições adversas, sem higiene e com grande probabilidade de risco.

O poder público sebe que isso acontece, mas quando é pressionado a combater, o faz fechando as clínicas do subúrbio, que o senso comum chama de clandestina, como se nas clínicas da classe média fosse ato legal. A opinião pública católica é contra o aborto, mas considera justo se a mãe não tiver condições de criar o filho indesejado. Por trás disso leia-se: “é melhor abortar do que virar sementinha do mal”. Como na música Haiti de Caetano: “como é que pretos, pobres e mulatos, e quase brancos, quase pretos, de tão pobres são tratados”.

A pena de morte informal é vigente no país, como o julgamento e a sentença. A classe média branca criou, ao longo da história, por total omissão ao que acontecia a sua volta, uma espécie de auto pena alternativa. Se antes era normal passear pelas orlas usufruindo as delícias que as capitais proporcionam com tranqüilidade e segurança, agora não podem sequer entrar em seus condomínios sem sobressaltos. Vivem presos atrás de grades e câmeras vigiam seus patrimônios.

O poder público esculpido por essa elite egoísta, quando não mata, permite que os jovens se matem numa guerra estúpida que foi gerada pela falta de oportunidades, pelo desprezo à vida do outro. Enquanto a fome apertava de um lado, a barriga crescia de outro. Não se preocuparam em saber se as escolas públicas eram de qualidade, se o salário era justo, se as casas tinham infra estrutura sanitária. Agora também não se importam que ainda não exista uma agenda pública capaz de conter o índice de 77% de jovens negros assassinados.

A redução da maioridade penal diante desses fatos não pode passar de uma brincadeira de mau gosto. Não há quem, em sã consciência, defenda que aos quatorze anos um jovem carente de suas necessidades mais básicas, não possa vir a cometer a infração que o de dezesseis cometeu; assim como o jovem de doze, advindo do abandono social, não possa vir a rescindir no mesmo erro do de quatorze. A redução da maioridade penal não é a solução, mas sim a educação, as oportunidades, o respeito às famílias, a qualidade do ensino. Mas, infelizmente, isso não está na pauta de um treze de maio esquecido, mas enraizado como uma ferida que não fecha, que sangra sem parar, uma velada hemorragia manchando o véu de classes.


Ricardo Mezavila.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Quando os padres tocaram os sinos




Aprendemos nos livros didáticos que a lei do ventre livre, assinada em 1871, era uma lei boa, que deu liberdade a toda criança, filha de escravos, que nascesse a partir daquela data. Na prática a lei servia para desagregar as famílias negras, pois seus filhos eram tirados do convívio familiar e iam para abrigos mantidos pelo governo, que acolhiam estas crianças. Oitenta por cento delas morriam antes de completar um ano de idade. O “acolhimento” desobrigava os senhores de fazenda a criarem crianças filhas de escravos.

Quando se aproximavam da adolescência e eram capazes de compreender a diferença que havia entre negros e brancos, os “beneficiados”  pela lei do ventre livre fugiam para os Quilombos a procura da liberdade negada nas senzalas. Pela legislação do Império os negros não podiam frequentar escolas, sabiam que a educação é uma alavanca social, econômica e política. Na verdade a lei fomentou o surgimento dos primeiros menores abandonados do país. Nas igrejas espalhadas pelo Brasil os padres tocaram os sinos comemorando a assinatura desta lei.

Na guerra do Paraguai que durou de 1864 a 1870, os negros eram motivados a irem para o front de batalha com a promessa de que, quando retornassem ao Brasil receberiam a liberdade e, aqueles que já fossem livres, receberiam terras. Antes da guerra a população negra era de quarenta e cinco por cento, depois da guerra passou a quinze por cento. A guerra serviu para reduzir a população negra no Brasil.

Também aprendemos nas salas de aulas que a lei do sexagenário foi uma lei boa, porque concedia ao velhinho o direito de ser livre. Com as costas trituradas pelo trabalho pesado e sem forças para produzir em alto nível, os negros escravos eram jogados nas ruas doentes e sem história, sem vínculo familiar, sem direitos que garantisse sua sobrevivência. Esta lei foi responsável pelos primeiros mendigos nas ruas do Brasil.

Nos cem anos da assinatura da Lei, em 1988, participei de um ato em frente ao Pantheon de Duque de Caxias, na Avenida Presidente Vargas, organizado pelo Movimento Negro, que denunciava a farsa da Abolição. O exército considerou uma afronta, as luzes da avenida foram apagadas durante o ato, talvez porque alguém tenha dito ao  microfone que Caxias escreveu uma carta dizendo que temia que os negros, sobreviventes da guerra do Paraguai, já que aprenderam a manejar armas, pudessem iniciar uma guerra interna.

E aqui estamos em mais um aniversário da Lei Áurea que significa algo que brilha, a lei de ouro. Só que nesse pódio os negros nunca foram representados, sequer competiram em condições de igualdade. Os escravocratas deram liberdade aos escravos como quem  dá milho aos pombos. A condição do ser livre está agregada à adequada integração social, aos serviços públicos de qualidade, ao respeito por sua cultura, à dignidade humana, à aceitação dos erros históricos e suas devidas correções. Padre  recolha vosso sino!


Ricardo Mezavila.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Crônica de uma viagem acidentada (a passagem pela série B)



Fazendo uma analogia com alguém que sai de casa, que altera sua rotina e que, com um olhar de fora, tenha condições de refletir sobre os fatos recentes que mudaram os rumos dos seus objetivos, que desviaram da rota as perspectivas traçadas fazendo com que, ao dobrar a esquina, tudo se perdesse na escuridão de um passo mal dado, assim, com todas as características de quem caiu, mas sabe que é forte o suficiente para se erguer e prosseguir, assim vive o Botafogo em 2015.

Não é fácil ter esse desprendimento, é preciso muita confiança em si e suas estruturas. A desconfiança vai estar presente em qualquer tropeço, em cada frase dita dentro de um contexto tenso de onde podem se aproveitar os que não querem que o gigante se levante e se alimente de suas glórias.

Essa viagem é necessária para uma reciclagem geral e até para conhecimento de horizontes distantes, lugares e instituições marginalizadas e oprimidas pelo grande monstro capitalista e voraz. O fato de não estar participando da festa da elite, não minimiza a alegria e nem diminui a história. A maioria dos “vips” só foi convidada para fazer número, não são capazes de reconhecer que precisam de ares novos, beber em fontes menos poluídas de onde descubram suas origens. Tem muito mendigo nobre nessa festa pobre!

Sinceramente, tenho muito orgulho em assistir a caminhada que o nosso Glorioso começou na série B. Futebol não é só ganhar, muito menos fazer número. A cultura popular precisa da força desse esporte, mas que seja autentico e genuíno como a arte. Um clube do porte do Botafogo engrandece qualquer disputa e vai além, vai muito mais além do que as rivalidades podem alcançar.

Uma Estrela brilha em qualquer situação, mesmo que as nuvens façam cortina, elas estarão por cima das nuvens com toda sua intensidade luminosa. Tenho certeza que a camisa, a história e a elegância de seus atletas deixarão um legado por onde passar, em cada estádio que a bola rolar, em cada gol, cada passe, nas defesas do nosso arqueiro e ídolo (o melhor goleiro o Brasil), na regra três, na prancheta do maestro, na bandeira que carrega o escudo mais bonito do mundo.

Nesse início de série B, parabenizo os clubes desejando que cada um faça o seu melhor e que seus torcedores sintam-se orgulhosos. Saudações à: ABC, América MG, Atlético GO, Bahia, Boa Esporte, Bragantino, Ceará, CRB, Criciúma, Luverdense, Macaé, Mogi Morim, Náutico, Oeste, Paraná, Paysandu, Sampaio Corrêa, Santa Cruz e Vitória.

A grandeza não está em vencer o grande, mas em respeitar o pequeno! SAN!


Ricardo Mezavila.

domingo, 3 de maio de 2015

A decisão de 68 e a bandeira que quase não sai





A decisão do campeonato carioca que vai acontecer daqui a algumas horas, entre o Botafogo e o Vasco da Gama, no estádio Mário Filho – O Maracanã - como dizia o locutor Waldir Amaral, tem um componente histórico em meu currículo de torcedor do clube da Estrela Solitária.

O ano era 1968, época em que o país tremia com as arbitrariedades políticas, eu não tenho na memória outro jogo antes deste, talvez por ter sido um jogo decisivo. De um lado o Botafogo do técnico Zagalo com: Cao, Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gérson; Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. A equipe do Vasco eu não lembro.

Durante as horas que antecederam a partida foi se instalando um clima eufórico na minha casa. Meu pai, que era um torcedor contido e minha mãe, que nem torcia por time nenhum, conversavam sobre o jogo e eu e minhas irmãs fomos nos envolvendo, a ponto de, em um ato de uma quase necessidade de sobrevivência à guerra, minha mãe “inventar” de costurar uma bandeira branca e preta.

Faltavam poucas horas para o início do jogo, embora eu sempre tenha convivido com uma máquina de costura ELGIN encostada em um dos quartos, não era comum minha mãe sentar e costurar. Mas lá estava ela com a garra das costureiras do barracão do Salgueiro, lá estava ela envolvida com agulhas e dedais, retalhos e linhas, costurando a bandeira que seria hasteada, como a vitória dos expedicionários brasileiros em Monte Castelo e Montese.

Faltando alguns minutos para o jogo começar e com o som do rádio saindo do quarto e invadindo toda a casa; com minha mãe acelerando o pedal da máquina como quem precisa pegar velocidade para saltar em voo livre; com meu pai duvidando de que a bandeira estaria pronta antes do jogo, o que não traria bons fluídos para o botafoguense supersticioso; com a nossa tensão crescendo diante de um desastre anunciado, finalmente, minutos antes do juiz apitar, minha mãe gritou: Está pronta! A bandeira está pronta!

Depois do jogo corremos com a bandeira pela calçada e ela virou um símbolo que, por anos, ficou em cima do meu guarda-roupa, simbolicamente, assim como a bandeira dos Estados Unidos na lua, como lembrança daqueles 4x0.

Ricardo Mezavila