Este artigo foi publicado em O GLOBO
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Diz a lenda que nos anos 30, em uma encruzilhada em uma rodovia
de Clarksdale, no estado americano do Mississipi, o então solitário e
desconhecido músico Robert Johnson teria vendido sua alma ao diabo em troca do
talento no blues. O diabo tomou o violão de suas mãos, afinou um tom abaixo e o
devolveu a Johnson. Esta lenda é contada em algumas músicas de sucesso do
bluesman como “Me and the devil blues”.
Robert Johnson tinha vinte e sete anos quando negociou sua alma.
Daquele encontro inusitado e satânico, teria nascido a semente do rock n’ roll
e a maldição dos 27 anos, idade de Johnson. Outra faceta oculta do rock que
levou embora ícones como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Kurt Cobain, Jim Morrison,
Brian Jones e Amy Winehouse, recentemente.
Contrariando a lenda e o mito de que é preciso se afundar na
lama do blues para ser um bom guitarrista, Blues Boy King, ou B.B. King, que
vai tocar eternamente em nossas vitrolas, não bebia e não precisava das drogas
para entrar em cena. Ganhou vários prêmios durante sua longa carreira, era
considerado o rei do blues. Uma vez perguntaram à John Lennnon qual era sua
maior ambição, ele respondeu que era tocar guitarra como B.B.King.
Respeito muito a genialidade de B.B. King no trato com “lucille”,
era assim que ele chamava sua Gibson, mas sou atraído pela lenda e por todo
absurdo que possa vir a ser produzido por ela. Sair do palco e entrar em um
avião para tocar na Bósnia, América Latina, África, Oriente Médio, é uma
atitude profissional e socialmente engajada, mas sair do palco e descer em um
porão sujo para trocar ideias com estudantes bêbados é filosofal, é alquimia.
A lama do blues também podia servir de trilha sonora para “Fausto”,
poema trágico do escritor alemão Johann Wolfgang Von Goethe. Fausto era o
favorito de Deus. Mefistófeles, o bruxo do inferno, apostou que conquistaria
sua alma. Quando passeava na rua em uma noite, Fausto foi seguido por um cão
vagabundo até sua casa. Chegando lá o cão se transformou em Mefistófeles.
Fizeram o pacto e Fausto se transformou em um jovem bonito, rico e tinha a
mulher que escolhesse.
Havia uma cláusula no pacto de que Mefistófeles só levaria a
alma de Fausto quando criasse uma situação de felicidade tão plena, que fizesse
com que ele a desejasse para sempre. O blues é essa felicidade plena, é o
prazer da vida em troca da condenação da alma. Mefistófeles é um senhor de bom
gosto, afeito à música, às artes, à poesia. Eu, quando escrevo, não sinto a
adrenalina de anjos batendo asas. O diabo cumpriu seu acordo com Mrs. Johnson.
E como disse Mark Twain: ”Prefiro o céu pelo clima e o inferno pela
companhia”.
Ricardo Mezavila.