Pego
na mão do contraditório para acender um fósforo nas palavras incendiárias deste
texto, que pretendem soprar as cinzas dos crânios adormecidos. Então, o que o a
redução da maioridade penal, o aborto e a pena de morte tem em comum? A
princípio são diferentes, mas todas não passam de polêmicas para encobrir um
outro tema provocativo que corrói as entranhas da sociedade: O Racismo!
O crime
de aborto é realizado “à balde” nas camadas mais privilegiadas, simples assim,
como é a inseminação artificial. As condições em que essas ações são realizadas
não produzem risco de morte, pois são feitas em clínicas sofisticadas,
higienizadas, em absoluto sigilo e muito bem remuneradas. Já nas camadas menos
privilegiadas o aborto acontece em condições adversas, sem higiene e com grande
probabilidade de risco.
O
poder público sebe que isso acontece, mas quando é pressionado a combater, o
faz fechando as clínicas do subúrbio, que o senso comum chama de clandestina,
como se nas clínicas da classe média fosse ato legal. A opinião pública
católica é contra o aborto, mas considera justo se a mãe não tiver condições de
criar o filho indesejado. Por trás disso leia-se: “é melhor abortar do que
virar sementinha do mal”. Como na música Haiti de Caetano: “como é que
pretos, pobres e mulatos, e quase brancos, quase pretos, de tão pobres são
tratados”.
A
pena de morte informal é vigente no país, como o julgamento e a sentença. A
classe média branca criou, ao longo da história, por total omissão ao que acontecia
a sua volta, uma espécie de auto pena alternativa. Se antes era normal passear
pelas orlas usufruindo as delícias que as capitais proporcionam com
tranqüilidade e segurança, agora não podem sequer entrar em seus condomínios
sem sobressaltos. Vivem presos atrás de grades e câmeras vigiam seus
patrimônios.
O
poder público esculpido por essa elite egoísta, quando não mata, permite que os
jovens se matem numa guerra estúpida que foi gerada pela falta de
oportunidades, pelo desprezo à vida do outro. Enquanto a fome apertava de um
lado, a barriga crescia de outro. Não se preocuparam em saber se as escolas
públicas eram de qualidade, se o salário era justo, se as casas tinham infra
estrutura sanitária. Agora também não se importam que ainda não exista uma
agenda pública capaz de conter o índice de 77% de jovens negros assassinados.
A
redução da maioridade penal diante desses fatos não pode passar de uma
brincadeira de mau gosto. Não há quem, em sã consciência, defenda que aos
quatorze anos um jovem carente de suas necessidades mais básicas, não possa vir
a cometer a infração que o de dezesseis cometeu; assim como o jovem de doze,
advindo do abandono social, não possa vir a rescindir no mesmo erro do de
quatorze. A redução da maioridade penal não é a solução, mas sim a educação, as
oportunidades, o respeito às famílias, a qualidade do ensino. Mas,
infelizmente, isso não está na pauta de um treze de maio esquecido, mas
enraizado como uma ferida que não fecha, que sangra sem parar, uma velada
hemorragia manchando o véu de classes.
Ricardo
Mezavila.
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