Aprendemos
nos livros didáticos que a lei do ventre livre, assinada em 1871, era uma lei
boa, que deu liberdade a toda criança, filha de escravos, que nascesse a partir daquela
data. Na prática a lei servia para desagregar as famílias negras, pois seus
filhos eram tirados do convívio familiar e iam para abrigos mantidos pelo
governo, que acolhiam estas crianças. Oitenta por cento delas morriam antes de
completar um ano de idade. O “acolhimento” desobrigava os senhores de fazenda a
criarem crianças filhas de escravos.
Quando
se aproximavam da adolescência e eram capazes de compreender a diferença que
havia entre negros e brancos, os “beneficiados”
pela lei do ventre livre fugiam para os Quilombos a procura da liberdade
negada nas senzalas. Pela legislação do Império os negros não podiam frequentar
escolas, sabiam que a educação é uma alavanca social, econômica e política. Na
verdade a lei fomentou o surgimento dos primeiros menores abandonados do país. Nas
igrejas espalhadas pelo Brasil os padres tocaram os sinos comemorando a
assinatura desta lei.
Na
guerra do Paraguai que durou de 1864 a 1870, os negros eram motivados a irem
para o front de batalha com a promessa de que, quando retornassem ao Brasil
receberiam a liberdade e, aqueles que já fossem livres, receberiam terras.
Antes da guerra a população negra era de quarenta e cinco por cento, depois da
guerra passou a quinze por cento. A guerra serviu para reduzir a população
negra no Brasil.
Também
aprendemos nas salas de aulas que a lei do sexagenário foi uma lei boa, porque
concedia ao velhinho o direito de ser livre. Com as costas trituradas pelo
trabalho pesado e sem forças para produzir em alto nível, os negros escravos
eram jogados nas ruas doentes e sem história, sem vínculo familiar, sem
direitos que garantisse sua sobrevivência. Esta lei foi responsável pelos
primeiros mendigos nas ruas do Brasil.
Nos
cem anos da assinatura da Lei, em 1988, participei de um ato em frente ao
Pantheon de Duque de Caxias, na Avenida Presidente Vargas, organizado pelo
Movimento Negro, que denunciava a farsa da Abolição. O exército considerou uma
afronta, as luzes da avenida foram apagadas durante o ato, talvez porque alguém
tenha dito ao microfone que Caxias
escreveu uma carta dizendo que temia que os negros, sobreviventes da guerra do
Paraguai, já que aprenderam a manejar armas, pudessem iniciar uma guerra
interna.
E
aqui estamos em mais um aniversário da Lei Áurea que significa algo que brilha,
a lei de ouro. Só que nesse pódio os negros nunca foram representados, sequer
competiram em condições de igualdade. Os escravocratas deram liberdade aos
escravos como quem dá milho aos pombos.
A condição do ser livre está agregada à adequada integração social, aos
serviços públicos de qualidade, ao respeito por sua cultura, à dignidade
humana, à aceitação dos erros históricos e suas devidas correções. Padre recolha vosso sino!
Ricardo
Mezavila.
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