Em
junho deste ano visitei o Uruguay, em plena copa do mundo, o país estava em
festa com a seleção celeste e motivos não faltavam, a copa era no Brasil, palco
do Maracanazo de 1950, a seleção em alta com jogadores valorizados no forte
mercado europeu. Em Montevideo o clima era de futebol, as ruas enfeitadas e a
rapaziada animada. Eu e minha esposa Sueli nos hospedamos no bairro Pocitos,
onde morou o poeta Vinícius de Moraes quando era diplomata, lá ele escreveu A
Felicidade e várias poesias, inspirado nas “Ramblas” e no Rio da Prata. A
temperatura no sol era de oito graus, muito frio e um vento úmido de cortar a
carne.
Quando
viajo prefiro passear pela cidade de ônibus e a pé, assim vou conhecendo melhor
os lugares, conversando com as pessoas e aprendendo sobre os costumes e a
história. Gosto de caminhar pelas ruas periféricas, aquelas que ninguém
recomenda, e ficar meio que “perdido” até me encontrar em uma esquina com
prédios antigos e teatros em ruínas. Em Montevideo não foi diferente,
passávamos o dia todo andando de um lado para outro, conhecendo lugares
turísticos e ficando o mais próximo possível do cotidiano da cidade.
Quando
entramos no ônibus 117 com destino a Plaza Independência os bancos estavam
vazios, durante o percurso foram entrando muitos passageiros e, como de costume
quando estou em transporte público, cedi meu lugar para uma senhora que disse
que estava a bajar (descer) do ônibus e agradeceu. Eu estava segurando o meu
livro e ela perguntou quem era o autor, meio sem graça disse que eu era o
autor, ela fez uma cara de surpresa e fez duas perguntas, uma óbvia, mas a
outra não entendi muito. Primeiro perguntou de onde nós éramos, quando soube
perguntou se éramos religiosos e respondi que sim, ela fez um ar de alívio e
disse: “encantada”. E desembarcou na Calle Juan D. Jackson.
Nosso
programa daquele dia era comer chivitos (sanduíche em um pão enorme com
queijo, presunto, bacon, ovo, batata frita, tomate, alface, cenoura, pepino e
pimentão, que é servido no prato), na Ciudad Vieja; depois ir até a sede do
governo e entregar, ou deixar na portaria, meu livro para o presidente José
Pepe Mujica e assistir ao jogo entre Uruguay e Colômbia no telão da Plaza Intendência.
Antes do jogo do Uruguay, a seleção brasileira jogaria contra o Chile e fomos
convidados a assistir o jogo em um bar de brasileiros com comida brasileira e
caipirinha, claro que não fomos, nosso objetivo era a Cidade Velha, chivitos, a
cerveja Patrícia, entregar o livro ao Pepe e assistir o jogo da celeste junto
aos uruguayos.
Na
Ciudad Vieja almoçamos no El Peregrino, a casa tem cento e cinqüenta anos e é
toda original, seus antigos donos eram ingleses, de Liverpool, as gerações
seguintes mantiveram a arquitetura e, principalmente, a atmosfera musical do
espaço. Toda a decoração é rock’n roll, desde Chuck Berry, passando por Bil
Halley, Elvis, Stones, Beatles e Bob Marley. A recepção que tivemos foi
agradável a ponto de eu esquecer que a sede do governo iria fechar horas antes do
jogo e acabei não entregando o livro, o que fiz depois via correios.
Saímos
dali e ainda tivemos tempo para uma visita guiada ao Teatro Solis, o mais
importante de Montevideo, onde os maiores artistas do mundo se apresentam como
os brasileiros Gil, Caetano e Chico, assim falou a nossa guia. Durante a visita
fomos brindados com esquetes de grandes espetáculos. Sem falar que o ambiente é
luxuoso e provocantemente inspirador.
A
hora do jogo se aproximava e pegamos o ônibus 62 para a Plaza Intendência, lá tem
um telão onde uma multidão assiste aos jogos da celeste. Chegando na praça sentimos
o forte cheiro de maconha. Aqui é liberado! – eu disse. Tinha de tudo na praça:
máscara do Suárez mostrando os dentes, pessoas com o corpo todo pintado de azul
e branco, gente coberta com lençol azul lembrando o fantasma de 1950,
manifestação contra a copa, nós participamos, só faltou futebol e, no Maracanã,
a seleção ia sendo eliminada. Milhares
de torcedores não escondiam o nervosismo. Como o jogo caminhava para um fim
trágico, saímos dali e terminamos de assistir a derrocada no “Tranquilo Bar”,
que não estava nem um pouco tranquilo.
Assistir
a derrota do Uruguay foi decepcionante, mas não dá para deixar de sentir um
gostinho de vingança, sessenta e quatro anos depois, vendo a celeste ser
eliminada no Maracanã. “Somos os Caça-Fantasmas da copa de 1950” - disse Sueli
brindando escondida com cerveja Patrícia. Voltamos para o hotel completamente “patriciados”,
o livro que eu entregaria ao presidente estava intacto dentro da mochila, li a
dedicatória mais uma vez e apaguei a luz porque o dia seguinte teria Punta del
Leste e Casa Pueblo no roteiro.
Ricardo
Mezavila