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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Amanhã vou lá hoje!



O escritor Umberto Eco, autor de “O nome da rosa”, entre outros livros de sucesso, disse em entrevista recente que “a Internet deu voz aos imbecis”. O escritor deu a entender que hoje em dia, qualquer pessoa, sem o menor comprometimento e interesse pela cultura e informação, pode opinar sobre qualquer assunto sem que, necessariamente, saiba sobre o que está comentando.

A consequência disso é a expressão on top of trends, importada do mundo corporativo e do fashion world, que serve de termômetro para a mídia explorar o bizarro e o inexpressivo dos fatos, fazendo com que se tornem pautas para os “articulistas” de ocasião, os ensaístas da futilidade, que postam comentários absurdos e às cegas.

Outro perigo é o revezamento entre o inimigo público número 1. Todo dia surge um diferente e, invariavelmente, é alguém que fez algum comentário na contramão do famigerado “top trend”. Se alguém critica o senso comum porque não comunga com sua posição,  passa de herói a vilão em dois “posts”, tempo agora se mede pela velocidade de um comentário, daí cai na rede e vira inimigo até que surja outro.

Ainda na mão do autor de “A história da beleza”, parece que até a solidariedade foi banalizada. Não é difícil encontrar grupos se abraçando por causas estranhas e chorando por vidas desconhecidas. Isso soa muito piegas, excessivamente apelativo e sentimental, parece enredo de canção brega. Essa analogia colocaria qualquer famoso na condição de candidato a inimigo público número 1.

O escritor italiano ainda disse que “a Internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio porque ela não filtra o conhecimento e congestiona a memória do usuário”. Imagino como deve ser complicado para um intelectual de oitenta anos, que viveu produtivamente em um período de intensos debates consistentes, ter que corrigir erros publicados a seu respeito na Whikipédia.

Por isso, temos de ter cuidado com o que falamos, porque podemos estar infringindo alguma regra acéfala do grupo que controla o que você pensa, o que você faz e o que você diz. Na dúvida é melhor confundir, por isso quando passar pela guarita diga: amanhã vou lá hoje!


Ricardo Mezavila

Os melhores companheiros de viagem


Gorki


Por experiência pessoal, a melhor companhia que alguém pode ter, seja amizade, namoro, casamento, ou só como vizinho, é a pessoa com tendência política de esquerda. Ela é mais descolada, compreensiva e animada. A maioria, com formação acadêmica, é na área da educação e meio-ambiente. No geral leram um pouco sobre as teorias de Marx, Engels e Gramsci; assistiram pelo menos uma peça de Dostoievski e de Brecht, recitam com frequência alguma frase de Maiakovski e Gorki.

Românticos, ouvem música cubana e bossa nova, amam caminhar de mãos dadas, sentem-se mais seguros com a força do coletivo; beijar uma pessoa de esquerda é uma coisa leve, sem pressa e, não importa a idade, é um beijo sempre jovem, uma mistura de maturidade com ternura.

Na hora de pagar a conta, se você estiver sem dinheiro não tem problema, a solidariedade é a base da relação; mas se for ela a “dura”, não hesite em passar o cartão, seu gesto será recompensado com um obrigado carregado de estrelas e de um poema escrito no guardanapo.

Viver na companhia de uma pessoa de esquerda é algo parecido como entrar dentro de um livro de história, de biologia ou de literatura. O entusiasmo está presente em tudo, na média com pão e manteiga, na cerveja, na batata frita e na pipoca.

Qualquer situação, por mais inusitada que pareça, pode ser definida com um verso dito em algum momento no Araguaia, em  Havana ou em Moscou. Sem medo, entram em qualquer lugar, porque conhecem a geografia social das comunidades, entendem que subsistir é preservar a identidade, é manter a consciência da união.

São resistentes, caminham quilômetros mesmo na chuva; encontram soluções adequadas para cada situação, com versatilidade e muita flexibilidade, sem ter que consultar o manual do guerrilheiro urbano, pois é tudo no improviso e no bom humor. Na falta do pão vão se contentar com o trigo que, se não pode se transformar em pão, pode servir um mingau caprichado.

Converse um pouco mais com uma pessoa de esquerda, ela nunca incita o ódio e o preconceito, não humilha, não desdenha do seu credo, não é moralista e, óbvio, nunca será um reacionário. Sem falar nos livros que vai te presentear, aquele com a "sua cara" que você não pode deixar de ler.

Preserve essa amizade como quem cuida de um jardim, simplesmente  porque gosta de assistir borboletas voando em volta das flores. A vida é leve e, de repente, fica tão mais leve que não pode mais ficar presa à gravidade, ficando invisível aos olhos. Aproveite a companhia e ande pelas ruas com um sorriso honesto e, se acontecer de você torcer o tornozelo não se preocupe, porque carregar um companheiro nos braços, ferido ou bêbado, é medalha para essa gente feliz.


Ricardo Mezavila

Vamos fazer uma selfie?

coliseu


Matéria de um jornal carioca tem a manchete: "Pedestres pedem morte de jovens negros que brigavam na zona sul". Essa matéria é o retrato, cheio de detalhes, do que grande parte da população vem deixando escapar sobre o que pensam, o que dizem e o que fazem. Todo esse comportamento de vingança, isso não é justiça, é vingança mesmo, sai de um sentimento que ninguém se debruça para compreender de onde ele vem. A opinião pública se manifesta agressivamente e de forma imediata, não querem saber como foi, as justificativas, NADA. O senso comum manda bater, arrebentar e matar.

O cenário do fato é perfeito para esse tipo de incidente: Jovens negros tumultuam em frente a um Shopping na Zona Sul. Serve até de manchete. Quem passava por ali não viu na cena um comportamento comum entre adolescentes estudantes, como acontece em todas as escolas de todos os níveis, mas eram negros e estavam em frente a um dos templos de consumo por onde desfilam os pés privilegiados de uma gente que nunca se importou, nunca esticou o pescoço para ver o que se passa do outro lado do muro do castelo.

Segundo a matéria, os pedestres pediram para que os policiais assassinassem os rapazes. Eu não estava lá, mas prefiro acreditar que isso foi exagero, ou que algum gaiato tenha gritado isso da janela de um ônibus e o repórter registrou. Ou será que realmente chegamos a um ponto em que a vida e a dignidade perderam valor?

No meio do “mata, mata, pode matar” (faltou o “eu te pago pra isso”), “tem que bater mesmo” e “isso é raça ruim”, um senhor, não se sabe quem, mas deve ser um vingador frustrado, agrediu os jovens já dominados pelos policiais. Não tenho a menor dúvida de que tinha alguém ali, mais de um até, com o celular pronto para uma selfie.

Na delegacia, a mãe de um dos meninos, estava mais preocupada, com razão, com a repercussão no meio dos traficantes, que poderiam, conforme a lei do tráfico, punir quem pratica roubos na região, do que com o quase linchamento de seu filho e das agressões racistas. Esse é o quadro em que vivemos. O respeito, o senso crítico, a solidariedade, a delicadeza e o humor estão descendo pelo ralo, que nem os vazamentos da CEDAE pela cidade.

Eram adolescentes fazendo algazarra, mas a falta de sensibilidade, a desconfiança na justiça, a massificação do crime na mídia e a falta de políticas educacionais de base, estão transformando a nossa cidade maravilhosa em um cenário de bárbaros.

Não vai demorar muito para o Maracanã se transformar na Arena Coliseu, teremos ali linchamentos patrocinados pelos ricos e poderosos. Apoiadores da redução da maioridade penal e de outras medidas instantâneas e simplistas chegarão nos trens da Supervia, do Metrô, os estacionamentos ficarão lotados enquanto a luxúria de uma sociedade hipócrita se lambuzará no sangue de uma gente que só precisa de oportunidade.


Ricardo Mezavila

As pernas longas da Aranha



internet


Em qualquer enredo feliz a constatação do aumento da expectativa de vida, se encaixaria perfeitamente em qualquer capítulo. Seria a celebração da vida poder aumentar a relação com o tempo por mais alguns anos. Seria assim, mas parece que nem isso é capaz de fugir das teias do sistema da aranha de perna longa, que escreve nossa história segurando uma esferográfica envenenada em cada perna.

Na sinopse está escrito que a expectativa de vida do brasileiro aumentou, porque a renda subiu e o acesso à saúde melhorou. A gente aqui reclamando que tudo está ruim, mas alguém escreveu que poderia estar pior. Aqui não temos conflitos militares, mas a criminalidade consegue superar as baixas de uma guerra; a vacinação em massa parece desnecessária, apesar da inexistência de saneamento básico em comunidades esquecidas; a boa educação estimula o prazer, afaga a utopia, que é uma ótima companheira para se sentar ao lado em uma viagem, mas o pesadelo é quem está com as mãos no volante e o pé no acelerador.

A notícia do aumento do índice é boa, mas traz impactos para a economia. Não sei qual o efeito negativo pode advir da conquista à vida, do adiamento da morte. Contudo, parece que o bolso é um dos órgãos vitais do organismo humano. Existe uma tal de Tábua da Mortalidade, calculada pelo IBGE, que serve de parâmetro para o INSS estimar o fator previdenciário, que tem por objetivo evitar aposentadorias precoces.

Considerando o tempo de contribuição, a idade do trabalhador e a expectativa de sobrevida, é feito o cálculo previdenciário. Sobrevida quer dizer prolongamento da vida depois de um limite, no caso a aposentadoria. No livro da aranha quer dizer prolongamento da existência, para além da morte.

Ainda, segundo o IBGE, o brasileiro conseguiu três meses e vinte e cinco dias a mais de expectativa de vida, entre 2012 e 2013. No homem passou de 71 anos para 71,3 anos; nas mulheres de 78,3 para 78,6 anos.

Na contramão e bêbado, o congresso está aprovando a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Será que em seus cálculos o IBGE não relaciona crianças e jovens? Por que aqueles que votam e pregam a redução da maioridade não consultam as estatísticas? Se consultassem saberiam que os adolescentes, menores de 18 anos cometem menos de 1% dos homicídios e são 36% das vítimas. Se a expectativa de vida aumentou, então seria coerente que a maioridade acompanhasse esse ritmo.

Enfim, quem escreve a história não somos nós, e sim a aranha. Há uma tese, a ciência ainda não tem resposta, que diz que a aranha ao morrer relaxa os músculos, por isso suas pernas encolhem. Então, vamos esperar que as pernas da aranha se encolham e que soltem as esferográficas, para que o veneno da tinta seja o antídoto contra tudo o que escreveram sobre a nossa incapacidade de encontrar a felicidade. E, vida longa aos anfíbios predadores!


Ricardo Mezavila

Preciso encontrar um dólar fácil

RTP


Já bebi todo o whisky
quebrei a garrafa no muro do cemitério
um senhor estranho levantou o dedo
minha garota disse: oh, aquele cara não tem educação.
Deixe pra lá, docinho,
vamos procurar um lugar para passar a noite
ela disse: tudo bem, quero dormir abraçada.
A noite está fria
talvez tenha uma lareira no quarto
quero levantar cedo
preciso encontrar um dólar fácil
preciso ganhar um dólar fácil
já estou velho e quase sem cabelos
a professora disse que eu seria um vagabundo
quando vomitei na porta da escola
e mostrei minhas bolas para ela
por enquanto a feiticeira está na frente
vai vencendo esse jogo
mas ainda vou provar
que honro meus sapatos
na hora em que passar por cima dela
preciso encontrar um dólar fácil
preciso ganhar um dólar fácil
e aquele rapaz deitado no banco
você lembra a cor da blusa dele?
ela diz: colorida, ele é gay.
Eu tinha um amigo gay
seu avô também era
seu pai ficou danado
quando o menino começou
a abrir sua gaveta
e usar seus vestidos
não tenho nada a dizer
cada um vive dentro de seu um
chegamos, ali tem um motel
o velho por trás do balcão diz:
há muito tempo
não se hospeda ninguém aqui.
Ok, mas tem whisky ?
preciso encontrar um dólar fácil
preciso ganhar um dólar fácil
acho melhor passar a noite no carro
não tenho medo dos lobos
nem da gang do hip hop
trouxe uma navalha afiada
estamos protegidos
esse país nos protege
as cores da bandeira nos protege
a nossa língua nos protege
preciso encontrar um dólar fácil
preciso ganhar um dólar fácil.
Logo que o primeiro jornal sair
vamos seguir na estrada
estamos quase em casa
as crianças devem ter se comportado bem
e alimentado Pingo, o beagle perdido.
Olha quantas estrelas apagadas
nossa pátria é estrelada
o desafio é chegar em casa sem sustos
e poder defender um dólar fácil.
Ainda ouço o som do último acorde
as pessoas lá embaixo estavam doidas
fumaram e cheiraram
pareciam chaminés humanas
o segurança pensa que não
mas vi quando atravessaram droga pra ele
no próximo outono a gente volta
mas temos que levar mais bebidas
e um echarpe que cubra a cabeça
você ainda tem cigarros?

Ricardo Mezavila.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

"Olha, é o Zeppelin!"

Led Zeppelin


No período da segunda guerra mundial, um pequeno vilarejo no interior do Rio, foi assombrado por um enorme Zeppelin sobrevoando a baixa altura os canaviais. Os moradores interromperam seus afazeres e se abaixaram com medo, enquanto o dirigível fazia sombra do sol que, implacavelmente, iluminava sua estrutura de alumínio. Era a ave prateada dirigida, em rota secreta, por homens militares a serviço da guerra, acompanhando navios e detectando submarinos.
Isso era o que contava o mascate Anacleto, quando chegava ao local com sua “mula shopping”. Os mascates funcionavam como a Internet hoje, traziam e levavam informações por onde passavam. “-Olha, é o Zeppelin!” Teria gritado alguém olhando para cima, até que o rastro da sombra se perdesse por trás dos muros das usinas de canas de açúcar.

Outro Zeppelin, que também faz sombra, não em canaviais, mas na carreira solo de um astro, é o Led Zeppelin. Recentemente Robert Plant, ícone nos anos 70 com sua voz e suas performances, esteve no Brasil e, nem de longe, parecia com aquele vigoroso vocalista da, para muitos, maior banda de rock do mundo. Alguém na platéia deve ter gritado: - “Olha, é o ex-Zepellin!”.
A atmosfera soturna da sombra e da misantropia afasta a arte do artista. Beethoven quando da primeira audição da Nona Sinfonia, em 1824, no teatro de Kärthnerthor, em Viena, estava surdo e não ouviu os aplausos para sua obra prima quando a orquestra encerrou a apresentação. Dominado pela loucura, ao final de sua vida, andava mal vestido, desleixado, com o rosto cortado por lâminas de barbear e pela varíola. “Devo confessar que levo uma vida deplorável”, escreveu a um amigo.
Luz e sombra da bossa nova, o genial João Gilberto apareceu em um vídeo, sentado no sofá de sua casa, de pijama, tocando e cantando com sua filha Luisa. Seus cabelos desalinhados e o pijama amarrotado serão eterna sombra, seja para o paletó de linho branco, de Belchior; ou para as calças engomadas, de Ednardo. Avesso a aparições públicas, a lenda da música brasileira, completou oitenta e quatro anos. O rastro de sua sombra seguirá além, para depois da neve, que cobrirá todas as coisas para, por fim, o verão “per farmi poi morire di dolore”.

Ricardo Mezavila

Sit tibi terra levis


Serguei Essenin


O corpo da lenda do blues ainda recebe homenagens pelo planeta, enquanto sua alma não para de trabalhar inspirando guitarras. O genial B.B. King será sepultado em um museu dedicado à sua vida, em Indianola, no Mississipi. Em procissão seu corpo será levado do aeroporto de Memphis, no Tennessee, passará pelo Handy Park, onde pela primeira vez conheceu a fama, e seguirá na derradeira blues highway, até sua cidade natal. Ser enterrado em um museu é a confirmação da lenda, a consagração da obra e o eterno reconhecimento da história.

O funeral do rei do blues e toda reverência, tem a ver com sua postura e dignidade na forma como viveu e como morreu. A arte que enaltece também enlouquece. O escritor Ernest Hemingway tentou por cinco vezes o suicídio antes do êxito, uma das tentativas foi se jogar na hélice de um avião. Confessou a um amigo: ”Não consigo terminar o livro. Não posso. Tudo o que consegui hoje foi uma frase, talvez mais, não sei e não consigo. Nada, entende, nada”.A necessidade de produzir pode se transformar em barbitúrico, no caso de Hemingway esculpiu-se em uma espingarda.

O poeta russo Vladimir Maikovski também deu fim à vida com um tiro no coração. Sem perspectivas para sua arte, esquecido pelo governo o qual tanto batalhou para que fosse possível, com problemas de saúde e infeliz em seus relacionamentos amorosos, apertou o gatilho contra o próprio peito em sua casa, na praça Lubianka, em Moscou. Antes dele, um outro poeta da antiga URSS, Sergei Yesenin, cortou os pulsos em um dos quartos do Hotel Inglaterra, também em Moscou. Há uma versão de que ele teria escrito com o próprio sangue a frase no final de um poema: “Se não há novidade em viver, tampouco há em morrer”. Cazuza, em Ideologia, disse que seus heróis morreram de overdose. Eu entendo essa mensagem como se a falta de inspiração se transformasse em falta de oxigênio, o que leva ao desespero e ao excesso.

Se nem todos os artistas têm um museu-mausoléu como Mrs. King, há os que descansam em um cemitério-museu, na cidade de Paris. Lá estão enterrados alguns daqueles que iluminaram a cidade com a arte e a ciência. Marcel Proust tem um bloco de mármore sobre si; Balzac um busto de bronze; Edith Piaf é cercada por flores e a ossada de Moliére está ao lado da de La Fontaine. Muitos artistas viveram com os cabelos bem cortados e bebiam socialmente, outros empacotavam ratos e tinham um estilo de vida politicamente incorreto.

Se a moda pegasse, eu queria ser enterrado no Louvre para estar acompanhado da Mona Lisa, da Vitória de Samotrácia e da Vênus de Milo. Sem falar que meu endereço passaria  a ser entre o rio Sena e o Champs-Élysées. No museu posso trocar ideias com Rembrandt, Michelangelo, Goya e Leonardo da Vinci. Dizem que quem vive do passado é museu, concordo. Não haveria presente sem o passado, o tempo é essa mola maluca que não para de pular com a gente em cima tentando se equilibrar. O futuro é especulação administrada, mas é especulação. Seria bom se pudéssemos reunir toda essa gente no museu de B.B. King no dia 30 de maio, data de seu sepultamento, para um brinde. Não na taça de uma cerveja de grife, é muito modinha; nem no cálice da última ceia, é blasfêmia; mas com os copos de Baco, tem mais a ver com a turma. Santé!

Ricardo Mezavila.

Escritor

Je suis Virgulino

Lampião




Domingo, dia vinte e quatro de maio, eu caminhava na Lagoa Rodrigo de Freitas quando assisti a uma manifestação de umas quinhentas pessoas, aproximadamente. Os cartazes pediam mais segurança nas ciclovias da cidade; alguns manifestantes carregavam rodas de bicicletas amarradas com lenços brancos, sinalizando paz. A sociedade se manifesta para demonstrar sua insatisfação e indignação com os recentes crimes protagonizados por bandidos armados com facas.

O caso do médico que morreu vítima de esfaqueamento causado por um suspeito menor de idade, só faz crescer a onda da redução da maioridade penal. Sou a favor de qualquer discussão pública que traga novos rumos para possíveis soluções. Eu, particularmente, sou contra a redução, mas respeito quem pensa o contrário e concordo com algumas argumentações opostas. Mas na maioria das vezes as tendências são simplistas e carentes de aprofundamento social.

Uma das questões que eu recorro para defender minha posição sobre o tema é: O que um jovem de dezoito anos faz, que um de dezessete não pode fazer? Descendo em escala cronológica: O que um jovem de dezesseis anos faz, que um de quinze não pode fazer? Nessa escala decrescente vamos acabar prendendo “bandidos” de fraldas. Outra incoerência, ainda sobre o ECA, é dizer que as punições são brandas. As punições que ali estão, são para aqueles que, tendo seus direitos efetivamente garantidos, incorram em infração. Antes de exigir que o Estatuto seja mais rigoroso em punir, é preciso que se cobre que os direitos sejam aplicados. Redução não é a solução!

Enquanto fazia a caminhada passei por um grupo que conversava favoravelmente à redução.Ouvi uma senhora dizer que o suspeito de assassinar o médico tinha quinze passagens pela polícia, que não tinha mais recuperação, e que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisava ser revisto. Na hora engoli minha resposta, mas respondo agora à simpática senhora, dizendo que se o suspeito teve quinze passagens pela polícia e não foi punido e nem ressocializado, a responsabilidade é nossa. Sim, nós somos responsáveis pelos legisladores que temos, pelos executivos, judiciário, pela falência de todo um sistema carcomido, que herdou a nossa passividade e permissão para que continuasse crescendo e alimentando o monstro.

Onde aquela senhora estava quando o jovem foi preso na primeira, segunda, terceira, quarta, e quinta vez? Provavelmente cuidando, e muito justamente, das coisas de seus interesses. Onde ela estava quando o jovem foi preso na sexta, sétima, oitava, nona e décima vez? Estava cuidando de seus justos negócios. Onde ela estava quando o jovem foi preso na décima primeira, décima segunda, décima terceira, décima quarta e décima quinta vez? Preocupada com suas atividades pessoais. Onde ela foi quando o jovem foi preso pela décima sexta vez? Eu já contei.

A sociedade está atrasada em relação ao que acontece a sua volta, não estica o pescoço para ver o que se passa do outro lado do muro do castelo. É pega de surpresa quando um semelhante, na escala social, é arranhado ou perfurado pela faca que está na mão do invisível, daquele com quem ninguém se importa. Tenho dúvidas se quando alguém pede revisão do ECA, se ela leu um artigo sequer, acho que não.

Quando vi aquele grupo de pessoas bem sucedidas reunidas para lamentar o leite derramado, quis muito que elas se envolvessem para que o Estatuto da Criança e do Adolescente fosse aplicado, que discutissem seus artigos e leis para que suas conquistas deixassem de ser somente literatura, mas preferem continuar encasteladas como se existissem duas cidades, a deles e a dos outros.

Um senhor passou pedalando uma bicicleta mais cara que o meu carro, gritando que passaria a sair de casa armado de faca. Não duvido que isso aconteça e que o Rio vire o próprio cangaço, com essa parcela da população armada de peixeira na cintura para defender suas ciclovias, suas calçadas, suas praias, seus parques, seus estacionamentos, suas escolas, suas clínicas, seus aeroportos, seus shoppings, suas ruas, do “bando” que ataca, saqueia e leva medo aos “cegos do castelo”.

Ricardo Mezavila é escritor
autor de “As conversas que tivemos ontem

rmezavila@hotmail.com

De biografias e de plágios

Ferdinand Saussure


Sobre a sociedade, estou falando de todas, a de Sócrates, Jesus, Darwin, Buda, Maomé, Saussure, Shakespeare, Marcelo Nova; de todas as teorias baianas e gregas contrárias, que surgem do tudo e do nada. Sobre as tendências, da academia à rua; da feira hippie de Lumiar à lojinha ecumênica do Lar de Frei Luiz; do restaurante da Sorbonne ao refeitório da Escola Pública, todos são unânimes em afirmar que o plágio, a apropriação indevida sobre uma obra intelectual, configura crime.

Por conta disso vemos autores em completo estado de inanição cultural, tentando extrair a arte de onde só nasce capim. Não que o capim seja desnecessário, capim também faz parte do cenário, mas cresce em qualquer solo e, na falta de uma flor, pode ser lançado à estatura de um Ingá ou de um Baobá.

Costumamos dizer e acreditar que tudo é cíclico, tudo se renova, então poderíamos admitir que não tem mal algum em reescrever, ou mesmo reinventar tudo aquilo que já esteve por aí. A hipocrisia é uma arte politicamente correta, através dela somos ingênuos, piegas, inconstitucionais, arbitrários e patologicamente cínicos.

Pensei assim quando li que, em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal, liberou as publicações de biografias, sem autorização prévia do biografado. Carmen Lúcia, ministra do STF, disse que “a vida é uma experiência de riscos”.

Nas artes, como na educação, religião e política, nada mais pode ser inventado, pelo menos nada tem acontecido que prove o contrário. Não há mais piche para asfaltar a estrada da humanidade, tudo está devidamente pavimentado. Essa procura pelo novo só desfaz aquilo que estava pronto. A gente perde muito tempo pensando em novidades e acaba deixando escapar a felicidade. Perdemos muito tempo tentando desconstruir o que levou milênios, séculos, décadas e segundos para ser erguido e, não se enganem, o tempo não compra ingresso para esperar pelo espetáculo.

Que outras medidas venham para alimentar e fertilizar esse terreno, sem preconceito, sem censura e sem egoísmo. Queria que todas as obras escritas, encenadas, cantadas e coreografadas, fossem generosamente plagiadas com açúcar e com afeto, com detalhes, no passo da garota de Ipanema, no balanço do Zé pretinho, dentro da casa grande e da senzala, nos sertões e nas veredas, na turma da Mônica e do menino maluquinho.

Chico Buarque cantou “amou daquela vez como se fosse a última”. Tudo bem, que não seja a última, que venham muitas outras vezes, mas que a próxima leve um tempo razoável para que a gente ainda sinta o gosto desse amor. Vamos plagiar o que é bom, quem sabe o jardim seja menos instantâneo e um pouco mais eterno enquanto dure.



Ricardo Mezavila

Nuestra América

Gabriela Mistral



Ouvindo Guantanamera: “Eu sou um homem sincero, de onde as palmeiras crescem. E antes de morrer eu quero, lançar meus versos da alma”. Sinto uma força verde-clara que sai de meus poemas, que busca refúgio na montanha. A cor verde pode significar a cor da guerrilha, mas também pode ser a cor do alimento que os camponeses cultivavam para seus filhos, enquanto uma enorme águia sobrevoava  os canteiros. 

Meu verso, agora ferido, não dorme porque precisa ficar de vigília, não pode fazer barulho quando a sombra das minhas palavras tocarem o véu da noite, assim, como um vento meio desajeitado que derruba a vela na cortina, no meio da madrugada. Se isso acontecer, a nossa casa será invadida por um bando capitalista, a gang dos dedos cansados de contar pratas. 

O escritor uruguayo, José Enrique Rodó, sustentou que o fim da criatura humana não podia ser, exclusivamente, o saber, o sentir, o imaginar; mas ser real e inteiramente humana. Viver é cultivar a plenitude e não a tirania dos interesses. 

A escritora chilena Lucila de Maria Del Perpétuo Socorro Godoy Alcayaga, ou, simplesmente, Gabriela Mistral, prêmio Nobel de literatura em 1945, rompeu a análise do “eu” e passou a olhar para o outro. Educadora e diplomata, colocou sua escrita a serviço das causas nobres. Coisa que rara por aqui. 

Quando viajo pela literatura latino americana, tenho a impressão que o Brasil está, geograficamente, em outro planeta. Ganhar um prêmio com a estatura do Nobel parece que, definitivamente, não está no DNA brasileiro. Tantos países, menores territorialmente, se orgulharam de seus filhos premiados, e a nossa gente “bronzeada”, nada. 

O escritor Umberto Eco disse, em recente entrevista, que a Internet deu voz aos imbecis. Não sendo polêmico como o escritor italiano, mas  já sendo, senti saudades de José Martí, mesmo que o poeta tenha nascido em Cuba e tenha morrido há mais de cem anos. Senti saudades do que não vivi, do que não conheci, do que não conversei. Senti saudades daquela coisa inexplicável que chamamos tempo.

Contudo, meu verso continua ferido, está sentado sob um coqueiro plantado no meio de uma vila de camponeses. Abro o livro “Sencillos”, longo poema de amor. Amor à mulher, ao povo, à pátria, à natureza, a cultura e à humanidade, que a mão sangrenta do “Che” deixou que caísse ao  meu lado, como uma senha, uma mensagem ao gigante sonolento. E sinto que, como brasileiro, tenho uma enorme dívida com José Martí, comigo, com você, com a revolução e com as raízes da América Latina.


Ricardo Mezavila é escritor , autor de “As conversas que tivemos ontem”

Gracias, pueblo de Venezuela!

Andrés Belllo


Os patetas do senado brasileiro, sob os auspícios do dinheiro público, foram para Caracas fazer pseudo diplomacia, posar de arautos e defensores dos direitos humanos. O líder dos patetas, Aécio Neves, deve ter dito quando pisou em solo venezuelano: "-Somos emissários brasileiros, viemos conhecer os presos políticos, entender sob que argumentos são mantidos presos e em que condições físicas e psicológicas se encontram". No caminho do aeroporto para a penitenciária, a comitiva de "Patetópolis" foi cercada por manifestantes na rua. O ônibus em que estavam foi apedrejado sob vaias e gritos de "Fora, Fora" e "Chavéz não morreu".

Aos senadores e suas esposas (sei lá o que as madames foram fazer lá), restou retornar ao aeroporto e voltar para casa. A demagogia chegara ao fim, melancolicamente, deixando uma imagem negativa do Brasil no Mercosul. Um dos presos que teriam o carinho dos senadores é o conhecido oposicionista Leopoldo Lopez, signatário do decreto golpe que depôs Chavez em 2002. Este decreto dissolveu o parlamento, o supremo tribunal de justiça, o conselho nacional eleitoral, a procuradoria da república, a defensoria do povo e outras instituições de caráter governista. Quando a mobilização popular reverteu o golpe, Chavéz deu anistia a maioria dos golpistas, incluindo Lopez.

Recentemente, Lopez usou a mídia para incitar a juventude a ir às ruas contra o governo de Maduro, o que culminou em tentativa de incêndio na sede do ministério público. Ele prega a deposição de um presidente eleito, assim como acontece aqui, no Brasil. Contam com o apoio financeiro e da mídia norte-americana e de representantes da direita golpista da América Latina, a qual faz parte Aécio e sua turma derrotada nas urnas pela Presidenta Dilma. Leopoldo Lopez se esconde por trás de um partido, o Vontade Popular, que não tem sequer um representante na Assembléia.

De volta ao lar, os senadores querem que o governo brasileiro tome medidas diplomáticas e suba o tom com a Venezuela, num claro oportunismo ideológico. Correram para o colo da "mamãe" e exigem dela uma reação ativa. Quando soube do ocorrido, imediatamente associei ao que aconteceu no Congresso do PT, em Salvador, na semana passada. O líder dos "Revoltados Online" foi ao congresso com a única intenção de perturbar e provocar, para depois aproveitar seus minutos de "vítima" e subir um degrau na escalada da formação de opinião. Os senadores fizeram o mesmo, partiram para a provocação sutil e agora usam o ocorrido para "provar" para a opinião pública brasileira que suas teorias sobre a esquerda latino americana e o envolvimento do Partido dos Trabalhadores têm fundamento. Dependendo dos frutos colhidos desse pomar golpista, talvez o próximo país a ser visitado seja Cuba.

Aconselho aos nossos incansáveis senadores missionários que abandonem essa estratégia, que aproveitem essas viagens para aprender sobre a cultura latino americana. Perderam a oportunidade de conhecer a literatura venezuelana, saberiam que Andrés Bello é considerado o precursor da interpretação da natureza latina; neoclássico, formou uma consciência cultural fundamentada na autonomia política e intelectual. Era poeta, erudito e um homem de ação. Foi ícone de sua geração e nenhum outro nome literato foi mais importante na luta pela independencia latino americana. Portanto, nobres homens do nosso senado, abram suas pastas e comecem a lição!


Ricardo Mezavila.