Pode entrar,o Blog é seu! Welcome to Blog! Since 30 july 2011

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Beija-Flor do Neguinho



Teodoro Obiang


Que os desfiles das escolas de samba do grupo especial não empolgam como antes, é fato e notório. Assistir ao desfile pela lente da mídia monopolizadora dá bem essa ideia. As escolas não são mais celeiro de sambistas e de bambas, viraram reféns da vaidade individual e da projeção instantânea de personalidades contratadas por quem orquestra e detém os direitos de transmissão.

No passado o puxador de samba da Beija-Flor era o Neguinho da Beija-Flor, ainda é, só que agora a Beija-Flor é que é do Neguinho. A hierarquia foi invertida, as histórias das escolas foram enterradas prevalecendo o indivíduo e não a agremiação. Assisti alguns compactos e o da escola, candidata ao título, segundo o estandarte de ouro, a atriz e a apresentadora da emissora âncora, apareceram mais do que toda a escola do bairro de Ramos.

Fico convencido dessa tese quando tenho a informação de que o quesito “conjunto”, aquele que dá uma visão geral do desfile, que une o abre-alas ao último carro da escola; que não descarta a participação do público, que insere a alegria e a interação da arquibancada com o passista; que condiciona a porta bandeira e mestre sala ao desempenho da bateria, foi retirado e não será avaliado.

Os paraquedistas que voaram sobre a avenida no início do desfile da Portela, assim como os drones das quinhentas águias pequenas e aquele maior que sobrevoaram a avenida, além das bolas de futebol que acompanharam o carro “Maracanã”, não receberão notas, estiveram ali, mas não com o brilho de uma atriz de novela em vestes de Eva. A fantástica águia redentora, que deixou a platéia com o coração na mão, quando fingiu que não passaria pela torre por conta do tamanho, e que  abaixou para passar e, ao mesmo tempo, fez posição de reverencia ao público, também não será avaliada

A emoção está definitivamente fora dos critérios de pontuação. A criatividade vale menos do que um carro com problemas que não acende uma lâmpada, um sambista que atrasa um segundo na saída da escola, uma baiana que tropeça no seu próprio cansaço ou no sangue da mão de um ritmista que não para de tocar quando a baqueta quebra.

O decantado desfile técnico superou o enredo e até a ética. A Beija-Flor recebeu verba da Guiné Equatorial para o desfile. Acontece que o líder africano é acusado pela anistia internacional por violações de direitos, execuções, torturas e prisões arbitrárias. A população do país está entre as mais pobres da África, enquanto o seu líder é o oitavo mais rico do mundo. O carnaval carioca anda precisando de mais transparência e menos interesse.

Ricardo Mezavila



sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

All you need is Samba



bloco do Sgt. Pimenta

E não é que o tão propagado “carnaval de rua” veio para ficar e acabou ficando. Não como nos bons e velhos tempos, quando o bonde e o lança perfume faziam parte da época de ouro do carnaval carioca. Hoje a coisa está mais tecnológica, sinais do tempo. Já não se canta Zé Keti e Braguinha como antigamente, mas a alegria é a mesma, os foliões continuam irreverentes como aquele do “bloco do eu sozinho”, que desfilava pelas ruas do Rio, nas décadas de 1960/70, desacompanhado, mas muito animado.

Hoje as ruas são ocupadas por blocos temáticos, liderados pelo pessoal acadêmico e conceitual. Um amigo sociólogo, disse que gosta de como o carnaval de rua é representado pelas etnias, pela manifestação de diferentes classes, e de como dividem o mesmo espaço numa celebração ideológica e, ao mesmo tempo, pela pretensão hipnótica da ideoplastia absurda e coletiva que mantém tudo como se ainda fosse uma expressão popular autêntica. E completou dizendo: - Isso é que move o carnaval, é que o aproxima das  festas pagãs e da cristianização definida pelo calendário. Noel Rosa foi muito mais profundo, simples, claro  e definitivo quando compôs Feitiço da Vila.

Em um passado recente, criticava-se que os desfiles das grandes Escolas de Samba eram feitos para os gringos, que o povão não tinha mais acesso em desfilar na avenida pela sua escola, ou assistir o espetáculo da arquibancada. O carnavalesco Joãozinho Trinta trouxe a riqueza para as fantasias e alegorias, imortalizando a frase: “O povo gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Meu amigo sociólogo diria que isso é a lógica mercantil da indústria cultural. Hoje ninguém discute mais essas questões, porque o carnaval não está mais resumido aos desfiles na Marques de Sapucaí, agora o povão e os gringos se misturam em uma mesma tribo nas ruas, numa geléia geral. No fundo, tudo é uma grande festa e todos querem se divertir. É o carnaval se reinventando para a alegria dessa rapaziada esperta. Podemos dizer que o carnaval de rua é a “banalização da abundância”, é tudo muito e mais um pouco.

Um amigo diretor de teatro, disse que participa dos blocos para observar o comportamento desinibido das pessoas, gosta da liberação da natureza aflorando, sem a distinção orgânica do que é ser menino e menina. O folião não tem sexo - disse - seu comportamento é dirigido pelo instinto e pela oportunidade. É como um sorteio em que alguém enfia a mão no saco e pega uma bola com um número, pode ser ímpar ou par, mas o que prevalece é o refrão escrito na cartela: “Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.

Ricardo Mezavila
Escritor
rmezavila@hotmail.com