Que
os desfiles das escolas de samba do grupo especial não empolgam como antes, é
fato e notório. Assistir ao desfile pela lente da mídia monopolizadora dá bem
essa ideia. As escolas não são mais celeiro de sambistas e de bambas, viraram
reféns da vaidade individual e da projeção instantânea de personalidades
contratadas por quem orquestra e detém os direitos de transmissão.
No
passado o puxador de samba da Beija-Flor era o Neguinho da Beija-Flor, ainda é,
só que agora a Beija-Flor é que é do Neguinho. A hierarquia foi invertida, as
histórias das escolas foram enterradas prevalecendo o indivíduo e não a
agremiação. Assisti alguns compactos e o da escola, candidata ao título,
segundo o estandarte de ouro, a atriz e a apresentadora da emissora âncora,
apareceram mais do que toda a escola do bairro de Ramos.
Fico
convencido dessa tese quando tenho a informação de que o quesito “conjunto”,
aquele que dá uma visão geral do desfile, que une o abre-alas ao último carro
da escola; que não descarta a participação do público, que insere a alegria e a
interação da arquibancada com o passista; que condiciona a porta bandeira e
mestre sala ao desempenho da bateria, foi retirado e não será avaliado.
Os
paraquedistas que voaram sobre a avenida no início do desfile da Portela, assim
como os drones das quinhentas águias pequenas e aquele maior que sobrevoaram a
avenida, além das bolas de futebol que acompanharam o carro “Maracanã”, não
receberão notas, estiveram ali, mas não com o brilho de uma atriz de novela em
vestes de Eva. A fantástica águia redentora, que deixou a platéia com o coração
na mão, quando fingiu que não passaria pela torre por conta do tamanho, e
que abaixou para passar e, ao mesmo
tempo, fez posição de reverencia ao público, também não será avaliada
A
emoção está definitivamente fora dos critérios de pontuação. A criatividade vale
menos do que um carro com problemas que não acende uma lâmpada, um sambista que
atrasa um segundo na saída da escola, uma baiana que tropeça no seu próprio
cansaço ou no sangue da mão de um ritmista que não para de tocar quando a
baqueta quebra.
O
decantado desfile técnico superou o enredo e até a ética. A Beija-Flor recebeu
verba da Guiné Equatorial para o desfile. Acontece que o líder africano é
acusado pela anistia internacional por violações de direitos, execuções,
torturas e prisões arbitrárias. A população do país está entre as mais pobres
da África, enquanto o seu líder é o oitavo mais rico do mundo. O carnaval
carioca anda precisando de mais transparência e menos interesse.
Ricardo
Mezavila