Quando nos confortamos com o que
temos, mesmo sendo insuficiente para suprir as necessidades intelectuais,
afetivas ou materiais, é porque atingimos a zona de conforto perigosa. É como
estar em uma correnteza e não tentar sair dela, como assistir ao leite
derramado e não abaixar o fogo. A zona de conforto é uma espécie de cova rasa
que a gente enfia o pé e depois sente que o tornozelo está sendo triturado.
É diferente de estar acomodado,
porque enquanto o acomodado não tem ambição e prefere os barrancos para ficar
encostado, a zona de conforto dá a falsa sensação de que estamos sentados em
almofadas de penas de ganso, que tudo a nossa volta trafega dentro do perímetro
das nossas expectativas, que o vento sopra balançando as cortinas para garantir
qualidade à nossa estabilidade.
De certo as dificuldades e as
armadilhas estão por aí nas entrelinhas, nas ante-salas, nas curvas, nas
penumbras, nas frestas que estão espalhadas pelo campo minado quando escolhemos
a hora de tirar os pés do buraco e partir para o ataque, seguir para o
enfrentamento com a certeza de que, pelo menos, vontade de vencer é o que não
falta.
O perigo da zona de conforto é o
contentamento de não ter que exigir mais da vida, não desejar uma ceia mais
variada, não curtir um pileque na segunda-feira. Se o ralo estiver entupido e a
água estiver demorando em descer, não pare de lavar a cozinha, abra o ralo e
enfie um arame por sua goela, lembre de quando voce sentava no chão do banheiro
e vomitava a “cereja”.
É mais ou menos isso! Vamos
vomitar as cerejas que nos fazem mal, as palavras que desalinham a nossa frase,
os afetos que nos abraçam apertando o pescoço e nos fazem carinho com chutes. A
zona de conforto não pode existir dentro de uma história que começou sabendo
que no fim só o fim. A vida pode até ficar mais bonita com a cereja, desde que
não faça mal à digestão.
Ricardo Mezavila