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terça-feira, 29 de abril de 2014

Enquanto descascam bananas...




Garapa : Documentário


Hoje parece que o mundo acordou mais justo por conta da campanha #somostodosmacacos que uma agência de publicidade tinha preparado para o jogador Neymar Júnior, mas que teve de ser antecipada porque o Daniel Alves comeu a banana antes do ex-jogador do Santos. Acordamos hoje com sentimento de dever cumprido e de alma lavada na luta contra o racismo, estamos fazendo história, estamos aqui para vencer, entramos na guerra com nosso exército de bananas em punho.

O gesto de solidariedade das celebridades repercutiu muito bem e já fazem a diferença nas escolas no Taiti; a generosidade dos endinheirados comoveu as famílias que vivem em estado grave de insegurança alimentar no interior do Ceará; a grandeza dos bem-aventurados foi suficiente para diminuir os maus tratos e torturas sofridas pelos trabalhadores rurais no sertão baiano.

Enquanto descascamos essas bananas virais no mundo virtual das camisetas, das mídias imbecis e das campanhas oportunistas, o mundo real perde cada vez mais a sua importância. Cada banana atirada equivale a uma atitude concreta a menos dentro do contexto do que acontece com pessoas desassistidas. Talvez a melancia fosse a fruta que melhor representasse a ocasião. Artistas, esportistas e políticos aproveitam o incidente no estádio espanhol para aparecer, fazer campanha, carimbar e vender a imagem do politicamente correto.

Fiquemos atentos, porque com tantas bananas sendo consumidas por aí, podemos escorregar em uma casca mal intencionada e cair no engodo de que realmente somos todos um só. Não se iludam porque a elite só é igual quando precisa de uma escada para subir mais um andar na escala econômica. Na nossa frente são macacos tímidos comendo bananas, mas por trás são cobras que engolem primatas com casca e tudo.


Ricardo Mezavila.

domingo, 27 de abril de 2014

O normal é isso se repetir

da internet


Sem querer ser chato, mas já sendo, até acho o assunto esgotado, mas não para de escorrer chorume na imprensa televisiva. Sendo assim, dou mais uma volta no quarteirão dos acontecimentos para ver o que andam falando. A única coisa que vejo é a falta de novidade, de criatividade e, até, falta de humanidade. O caso do menino dançarino, apesar de sua família ter recusado encontro com autoridades, o que foi uma vitória, caiu na malha fina do sensacionalismo, que é a mesma coisa.

Chorume é um líquido poluente que causa náuseas, próprio dos lixões abertos no meio ambiente. Eu sinto náusea com a forma como fazem política, sinto enjoo quando a elite começa a criar seus mártires instantâneos, suas válvulas de escape social. Por que esses omissos artistas não assumem posição contra os dejetos sociais antes que eles virem chorumes?

Não acredito nas lágrimas da Regina, assim como não acredito na lisura da investigação policial. Estão fazendo mea-culpa porque o programa está no ar e fica bem na fita ser contestador do acaso. Essa rede midiática quer emocionar os telespectadores para eximir a culpa do estado, trabalham nos altos escalões e nunca fizeram nada para evitar que essas coisas acontecessem, mas aí, né, foi o “DG”.

Hipócritas é o que são! E o normal é que isso se repita no Alemão, na Rocinha, no Jacaré, na Baixada, em Niterói.... E ninguém faz nada, nem estão aí para as violências diárias, mas quando acontece perto, com algum candidato à mártir, aí esse grupo de elite surge com suas câmeras, microfones e apresentadores e fazem uma guerra que só dura um minuto.

 A mãe, a Maria de Fátima foi perfeita quando mandou às favas o encontro no gabinete frio do governador que ia encher a sala de telejornais, tinha que ter marcado um encontro na comunidade, mas mesmo assim ela não resistiu, não podia ter cedido às garras quentes de um programa de televisão que, na essência, quer dizer a mesma coisa, servem ao mesmo patrão. No Palácio Guanabara todos estão bebendo wisky, comemoram mais uma vitória contra um “quase” levante popular.  


Ricardo Mezavila.



sábado, 26 de abril de 2014

Sem querer ser chato, mas..

internet


O prefeito Dudu Paes, um de seus apelidos, disse que não mergulharia na Baía de Guanabara e que passará vergonha nas olimpíadas. Ele não disse, mas nem precisa dizer que também não matricularia seus filhos na escola pública, ou internaria seus pais em algum hospital também público. E ele é o “cara” que governa esses aparelhos, o responsável pelo funcionamento de um pouco mais de mil escolas municipais, e de “sei lá quantos” hospitais e unidades de atendimento médico público.

O governador Pezão, o pé grande, disse durante a desocupação do imóvel no Jacaré, que quem atira pedra e faz manifestação não precisa de casa. Como assim, big foot? Se quem atira pedra não tem direito a moradia, o que dizer de quem, com farda e brasão do estado, atira projétil de fogo contra inocentes? Nada contra o programa das UPP’s, mas como convencer a mãe do Douglas, aliás, conhecida de alguém muitíssimo próximo a mim, de que a morte do dançarino não será mais um “caso” Amarildo.

Na esfera federal o delírio político-histórico é ainda mais latente, parece coisa de literatura, mas quem imaginaria que, vinte e dois anos depois do impeachment, o ex-presidente, o irmão do Pedro, seria absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e seus inimigos daquela época estariam presos? Os peitos estufados que Genoíno e Dirceu exibiam em 1992 murcharam, e a frieza do rosto de Collor descendo a rampa está vingada.

Sem querer ser chato, respeito, mas não aceito que ainda haja quem perca tempo e dinheiro em completar álbum de figurinha da copa. Parece o país do “faz-de-conta”, ainda mais em ano eleitoral, com político de mão estendida pelas esquinas, torcendo para que o time de “estrangeiros”, com a camisa da seleção brasileira seja campeão e coloque mais “tarjas pretas” na tão explorada hipnose coletiva.


Ricardo Mezavila.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Crônica de um silêncio desnecessário


internet

Imagem improvável, mas não impossível: Eu, sentado na sala sozinho assistindo televisão. Quando estou sem nada para fazer vou para rua encontrar amigos para conversar e beber. Assistir televisão durante muito tempo pode ser perigoso porque, com o controle na mão, você pode ter a sensação de estar aonde quiser, ouvindo e consumindo o que quiser, quando na verdade é o contrário, você está em casa ouvindo e consumindo o que eles querem. O Ideal quando se troca muito de canal é apertar o power e procurar algo útil, não necessariamente na rua, mas alguma coisa para fazer dentro de casa mesmo.

Conversando com um amigo, casado, sobre o que gostamos de fazer quando estamos em casa, concordamos que ficar em casa sozinho, sem nada para fazer é desconfortável, e o entretenimento televisivo é como um imã, mas quando estamos acompanhados a coisa é diferente, a conversa é privilegiada, por isso sigo com sucesso um ditado, acho que é chinês, que diz: “quando casar case com alguém que você goste de conversar!” É verdade, apesar do ditado se aplicar a outros relacionamentos, mas é no casamento que o silêncio é uma sentença contrária e letal.

Na tradução ocidental do livro sagrado está escrito que o marido deve amar sua esposa e esta deve respeitá-lo! Mas amar e respeitar é um dever adquirido do direito sublime atribuído a duas pessoas que decidem viver juntas e somar. O poder familiar não está isoladamente na manutenção capitalista, ele reside na mais profunda capacidade de repartir os sentimentos em causa e em benefício do coletivo.

De uma boa conversa eu não fujo, quer dizer, não fujo nem de conversa “fiada”, meu livro de crônicas não deixa dívidas. Mas, como nada é unânime, e nem deve, um silêncio bem colocado, ás vezes, pode ser benéfico. Só para servir de ilustração posso citar aquele momento  em que você está conversando e alguém chega e interrompe, nessa hora cabe um silêncio para demonstrar a insatisfação pela inconveniência; outro momento é quando o casal discute e um fala: “quer mesmo ouvir ?” Nessa hora é melhor cantar para subir e ficar quietinho assistindo aquele programa de TV que o outro adora e que você tanto critica.


Ricardo Mezavila.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Libertando as luvas de Barbosa



Ubirajara Alcantara


Naquele julho de 1950, aliás, dia 16 que também atende pelo nome de ‘meu aniversário, o futebol brasileiro sofreu a maior derrota de sua história até agora, penso que tem coisa ruim vindo por aí, mas isso a gente vai ficar sabendo daqui a três meses. Naquele fatídico dia que ficou conhecido como “maracanazo”, alguém saía de campo e entrava para a história como sendo o culpado pela derrota diante da celeste uruguaia.

Moacir Barbosa era negro, goleiro do excelente time do Vasco da Gama nas décadas de 1940 e 1950 e, como na época atual, sofria o famigerado e repugnante preconceito. Goleiros negros carregam a maldição daquele pulo atrasado de Barbosa. Outros falharam, perderam pênaltis importantes, mas nada comparado às injustas críticas ao goleiro negro. Armando Nogueira escreveu: “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo”.

Certa vez, em um dia da década de 1970, eu estava na esquina na rua em que morava quando um homem alto, negro, magro e muito bêbado, parou diante de nós e perguntou se o conhecíamos. Eu e meus amigos dissemos que não, então ele pediu que quando fôssemos para casa contássemos aos nossos pais que estiveram com o Pompéia. Fiz isso e meu pai contou que ele tinha sido um dos maiores goleiros que já tinha visto, mas a imprensa dizia que era “exibido”.

Um goleiro negro que muitas alegrias deu para as torcidas de Flamengo e Botafogo foi Ubirajara Alcântara, talvez tivesse chance na seleção se fosse etnicamente europeu, mas diziam que ele era “mascarado”. Recentemente o goleiro Vagner, atuou em alto nível por alguns anos, levava para dentro de campo um laudo racista de “não enxergar à noite”.

Esse ano o goleiro, quer dizer, o “Paredão” Jefferson pode fazer justiça e calar quem discrimina e diz que negro não pode ser goleiro de seleção. É disparado o melhor do país e um dos melhores do mundo. Scolari prefere Júlio César, ótimo goleiro, mas que na última copa tremeu em jogo decisivo. Tem outros, também ótimos, que estão dentro do perfil “branco” da CBF:  Vitor, Fábio e Cavalieri.

Seria muito interessante ver um goleiro negro sagrando-se campeão do mundo em pleno Maracanã, seria um ato contra o racismo e seus adeptos. Mas para isso acontecer será preciso quebrar o preconceito e a superstição. Eu quero Jefferson como titular para libertar as luvas de Barbosa, tenho a certeza de que ele homenagearia o injustiçado goleiro assim que o juiz apitasse o fim da partida. Não torço pela seleção por motivos políticos, mas quebrar esse tabu está acima de qualquer governo.

Ricardo Mezavila.



terça-feira, 8 de abril de 2014

Pelé is dead

itaquerão


O melhor jogador de futebol de todos os tempos está morto e enterrado desde 1977, ano de sua última participação dentro dos gramados, depois disso somente o Sr. Edson vem se manifestando e polemizando com suas opiniões ora sensatas, ora esdrúxulas. Isso é comum a qualquer pessoa que tenha acesso à mídia, principalmente alguém com a envergadura do maior atleta do século XX, que tem voltado para si toda a atenção da imprensa mundial.

Em tese, o Sr. Edson não é nenhuma autoridade em assuntos sociológicos e políticos, tão pouco entende de engenharia, urbanismo e economia. Como qualquer outra pessoa leiga que saiba distinguir um aeroporto de uma rodoviária, ele emite suas opiniões de acordo com o que vê, faz do simplismo a sua base para comentários evasivos e desprovidos de conteúdo técnico.

A figura do craque ainda pode ser enxergada quando olhamos o empresário da copa no Brasil discorrer sobre a organização para o evento; quando as lentes projetam a imagem do rei, percebemos que ele não está só mais nu, ele também está sem pernas, sem braços, sem coração. A coroa é uma fumaça indefinida que fica girando sobre sua cabeça, como um vulcão expelindo fogo inimigo.

Acho que o Sr. Edson, já que não vive mais sob os auspícios do monarca do futebol, devia reconhecer que é um mortal como qualquer um, é um plebeu como os trabalhadores são; devia se desculpar com os filhos dos operários que perdem a vida para que as obras do seu reino sejam confortáveis e dignas para a prática daquilo que o conduziu ao trono. Um rei não pode falar o que quiser, senão corre o risco de virar o bobo.

A copa e o dinheiro passarão, mas a capacidade de nos indignarmos não passará. Os estádios ficarão como monumentos ao desperdício, à corrupção, à falta de administração pública, mas jamais será a imagem do “deus” diante do qual o povo vai se ajoelhar. Não basta mostrar ao mundo que nossos aeroportos funcionam, temos que fazer e mostrar aos nossos nativos que escolas, hospitais, transportes, segurança e saúde também funcionam.

Não está na constituição que o governo deve priorizar os visitantes em detrimento do seu próprio povo!

Ricardo Mezavila.








segunda-feira, 7 de abril de 2014

Ressonância Magnética (eu não engoli o MH-370)





Nunca tive medo de exame, ainda não tenho porque passei pela experiência, mas se soubesse como era uma ressonância magnética de abdome total e pelve, eu não teria saído de casa com tanta confiança em uma manhã de domingo. Tudo começou dando errado na preparação para o exame, a enfermeira não conseguia colocar a agulha em meu braço. Sou doador de sangue! – disse a ela, com a segurança de quem está acostumado com “furadas” maiores. Ela disse que o procedimento era diferente, trocou de braço e, depois de um tempo, conseguiu “achar” a veia e aplicou soro, deixando a agulha ali pendurada.

Tranquilo entrei em uma sala e respondi algumas perguntas, coloquei um roupão da clínica e parti para a sala onde estava a máquina de ressonância. Entrei e fui logo deitando, não fiquei assustado com o túnel porque já tinha visto antes quando uma de minhas filhas precisou fazer o exame. Sem nenhum susto acompanhei toda a rotina de preparo, fui preso à maca com um cinto, depois colocaram uma espécie de prancha na região onde seria feito o exame, colocaram um fone em meu ouvido, me deram uma campainha para eu tocar, caso sentisse alguma coisa e pediram que eu ficasse com os braços esticados pra traz, por cima da cabeça.

Até aí estava tudo tranquilo, sabia que ia entrar no túnel, mas ficaria com os olhos para fora. Perguntei quanto tempo duraria e tive a resposta de que seriam quarenta minutos. Tudo pronto e a maca me transportou para dentro do túnel e parou. Percebi que os olhos não estavam tão para fora o quanto eu imaginava, mesmo assim conseguia ver as lâmpadas no teto da sala, de repente a maca entrou mais para dentro do túnel e a sensação foi horrível, já não via as lâmpadas e, para piorar, o exame começou com uma sucessão de sons que parecia música eletrônica, era como se David Guetta estivesse ali; depois outros sons altos vieram, teve funk, samba, soul e até o BOPE parecia ter chegado, porque uma hora ouvi uma seqüência de tiros de metralhadora.

Passado vários minutos a maca retrocedeu e vi as lâmpadas novamente e os sons continuaram; mas logo depois fui introduzido novamente para o túnel e fiquei com o corpo todo “entubado”; o único contato com o mundo externo era a campainha que eu segurava, se ela caísse... Não sei, não! É algo parecido com tortura, cheguei a pensar em entregar os amigos que estavam comigo na reunião da CUT em 1982; pensei em confessar que em 1975, jogando futebol contra o time da minha própria rua, a bola que bateu na minha perna debaixo da trave, teria sido tirada com a mão, como eles me acusaram. O som era tão alto que quase gritei: - Eu não engoli o MH-370 da Malaysia Airlines, vocês não vão encontrá-lo dentro de mim! Acho que se mergulhassem a máquina de ressonância magnética no oceano Índico achariam o avião.

Depois de ter que segurar a respiração por vinte segundos dezenas de vezes, ainda fizeram um contraste pela agulha que estava em meu braço, e uma voz disse que eu já seria liberado.
Quando cheguei na recepção da clínica fui recebido com um sorriso do meu neto e da minha mulher, a responsável pela tortura, que disse ao ver minha cara enfezada: - Relaxa, amor, isso é rotina! É, ainda bem que sim, vamos tomar uma cerveja.


Ricardo Mezavila.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

O lugar em que as coisas se encontram


Hendrix



Enxergar o halo nas pessoas não é muito comum porque requer boa vontade, desprendimento ou ópio. Mas não é impossível de se enxergar sem essas exigências, desde que se ouça uma música instigante e envolvente, John Coltrane, por exemplo. Padre José de Anchieta, ex-jesuíta, vai receber o seu ainda hoje quando Francisco assinar a sua santificação, mesmo sem nenhum milagre comprovado. Isso sinaliza o desejo da igreja em se tornar menos exigente com os candidatos.

Isto posto, podemos sugerir alguns nomes para o Vaticano. Se Jimi Hendrix fosse lançado candidato não seria nenhum absurdo, mesmo sendo considerado um “deus”, acho que não se importaria em ser somente um “santo”; ao contrário de Anchieta, fez muitos milagres com o seu instrumento, tem seguidores fieis até os dias atuais, quarenta e quatro anos depois de sua morte.

Tinha sangue cherokee e se orgulhava de seus ancestrais nativos norte-americanos; quando sua mãe morreu, o adolescente Jimi teve que criar seu irmão mais novo, seus pais eram separados; o pai de Jimi era um trabalhador humilde que retirava sucatas, nossos “catadores”, e as vendia. Foi ajudando o pai que ele encontrou um ukelele, instrumento havaiano de quatro cordas, mas que só tinha uma, e ficou encantado com o som que tirava dele.

Penso que uma das maiores qualidades de um candidato a santo é a humildade, é viver na condição que o destino desenhou, criar cores e formas para que o caminho fique mais iluminado, com mais possibilidades, menos cacete e mais tolerável.

Quando for indicar alguém para usar o Círculo de Luz, preste atenção se ele conhecia os acordes do vento; se escrevia poesia em paralelepípedos; se ficava emocionado quando uma criança começava a andar; se seus olhos brilhavam de alegria quando alguém fazia sucesso; se descia as escadas para se despedir mais uma vez de quem estava indo embora; se dizia palavras finitas para o amor infinito.

Fica a reflexão: As coisas definitivamente certas podem ser encontradas em lugares potencialmente errados.


Ricardo Mezavila.


terça-feira, 1 de abril de 2014

A miopia inexistente


Joao Saldanha


            Era uma noite chuvosa de 1968, a campainha da minha casa toca e, ao atender, pela “portinhola”, vejo dois homens altos, vestidos com sobretudo e de chapéu. Ficamos nos olhando por alguns segundos até que perguntaram se meus pais estavam em casa. Eu tinha nove anos e não entendia de política, mas sabia que era proibido cantar o hino nacional na rua; não sabia o que era ditadura, mas era obrigado, na escola pública primária, a ficar em fila diante do retrato de um homem com uma faixa presidencial, antes de subir as escadas e entrar na sala de aula.
            Retrocedendo um pouco no tempo, naquela mesma década de 1960, dois anos antes do meu ingresso na escola, o presidente João Goulart assinou alguns decretos como: Encampação das refinarias de petróleo privadas; reforma agrária à beira de rodovias, ferrovias, rios navegáveis e açudes e um decreto tabelando aluguéis. Esses decretos contribuíram para a sua deposição.
            Avançando no tempo, agora na década de 1970, um ano depois de terminar o segundo grau, uma nova Lei de Segurança Nacional foi promulgada, mais branda se comparada com as anteriores. Era 1978, o regime militar estava perdendo força, é extinto o AI-5, e a abertura política progride lentamente.
            A primeira demonstração pública de patriotismo que me lembro foi na copa de 1970, quando “noventa milhões em ação” cantaram  Pra Frente Brasil. Ninguém comentava mais a queda do, então técnico, João Saldanha, responsável por classificar o Brasil nas eliminatórias, mas que era filiado ao Partido Comunista e não queria convocar o folclórico “Dadá Maravilha”. João “Sem Medo” caiu sob alegação de que cortaria o rei Pelé da seleção por ser míope, jogando-o contra a população, que não admitia ver o craque fora da copa.
            Foram dez anos desde a noite chuvosa de 1968 até o fim do ato institucional, tempo suficiente para fazer calar a geração que viria após uma eventual conquista popular, e crescemos no obscurantismo.
            -“Seus pais estão em casa?” – perguntou mais uma vez um dos homens. Minha mãe chegou logo depois e abriu a porta. Eles se identificaram como sendo Agentes do Governo, eram do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Queriam informações sobre um parente nosso, um tio, que não havia sido encontrado em sua residência. Minha mãe disse que ele não estava ali mas deu permissão para que entrassem. Eu os segui pelos cômodos e reparei que eram mais altos do que aparentavam quando os vi pela portinhola, entraram no meu quarto e esbarraram na minha mesa de jogar botão que caiu, procuraram e, não o encontrando, agradeceram e foram embora.
             Fiquei olhando para minha mãe sem entender nada, ela sabia o que tinha acontecido ali, não lembro sobre o que conversamos naquela noite, mas o silencio dos dias, meses e anos que se seguiram, foram suficientes para que eu entendesse que ficar quieto não foi a melhor opção.  E assim crescemos, politicamente, com a miopia inexistente do Pelé.
           

Ricardo Mezavila

A Copa da depressão


arena Manaus

Uma partida de futebol, ou várias partidas, ou uma copa do mundo, não valem a vida de uma pessoa. E o que temos visto na organização da copa no Brasil parece contradizer isso, oito operários perderam a vida em acidentes nas construções dos estádios. Na guerra o soldado sabe que pode não voltar para casa e que pode não deixar que alguém também volte, mas o esporte não pode servir de meio para se fazer vítimas. A finalidade da copa do mundo é a confraternização dos povos através da competitividade saudável.
Tenho dito, volto a dizer, não vou torcer pela seleção, aliás, não torço desde 1986. O motivo é que, depois daquela copa no México onde perdemos até pênaltis, os jogadores saíram em massa do Brasil prematuramente e, quando saía uma lista de convocados para as próximas seleções, eu não conhecia quase nenhum deles, não eram identificados com o futebol do país, pareciam e ainda parecem, mercenários que se inscrevem em causas estrangeiras e lutam por dinheiro.
Se fizessem um plebiscito popular antes do Brasil ter sido escolhido como sede, tenho a certeza de que a maioria votaria SIM; todos confiantes de que “não haveria dinheiro público nisso”, como disseram os governadores, prefeitos, senadores, deputados, ministros e a presidente da República. Eu também votaria SIM, se confiasse em político, adoro futebol, entendo que uma copa do mundo traz perspectivas positivas, deixa legado, movimenta o turismo e é uma festa democrática e popular.
O Ministério dos Esportes se pronunciou: “Não há um centavo de dinheiro público direcionado à construção ou reformas das arenas para a copa”. E já se foram mais de “sei lá quantos bilhões”. As estrelas da companhia desfilam ironia pelo país: “Não se faz copa com hospitais”, foi uma delas. Com a maior cara de pau criaram o projeto de voluntários que, aí tudo se explica, tem mais candidatos do que vagas.
Sem nenhum problema digo que vou torcer para que qualquer outra seleção sul americana seja a campeã, menos a brasileira, seria incoerência e não quero que o hexa seja a cortina de fumaça para encobrir a roubalheira, as mortes dos operários, a incompetência generalizada e estupidez festiva.
Na copa de 1970 eu era uma criança e não entendia nada, como na canção do Erasmo, a seleção foi tri enquanto os militares matavam estudantes; nessa eu sou adulto e, se ainda não entendo nada, pelo menos desconfio que tem coisa errada por aí, sinto o cheiro de uma cereja que querem colocar no bolo, mas que se depender de mim, vai apodrecer no colo de um deles, de preferência como aquela bomba que o sargento levou para o show em homenagem ao Dia do Trabalhador.

Ricardo Mezavila.