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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pegadas Verdes




“Menino, se você não estudar vai virar lixeiro!” Era com essa ameaça que os pais orientavam seus filhos aos estudos. A profissão de lixeiro era uma das últimas na pirâmide social há quatro décadas. Hoje, profissionais de outras áreas, inscrevem-se nos concursos para gari, mas para fugir do desemprego.

Em poucos anos, o surgimento de especialistas em análises sócio-ambientais crescerá, para barrar o caos urbano que se aproxima. Profissões serão criadas como o lixólogo, que será um gestor de resíduos, dando solução aos detritos no meio urbano, será uma profissão necessária. No Rio de Janeiro os garis eram tratados, pejorativamente, de “cenourinha”, por causa do uniforme cor de cenoura que ainda usam.

Outras profissões já existem, como a de gerente de eco relações, que tem a responsabilidade pela comunicação entre os consumidores, grupos ambientais e agências governamentais para desenvolver e maximizar programas ecológicos.

As empresas multinacionais estão investindo muito no Brasil, por conta da riqueza ecológica que possui e pela vasta reserva verde, de onde poderá vir o oxigênio que manterá seres vivos no planeta.

Em uma  análise rápida e simplista tiro a conclusão de que, se eu não tivesse estudado seria lixeiro e hoje não estaria na última escala da pirâmide social, pois faria um curso de lixólogo, com extensão em gestão de sustentabilidade. Deixo aqui a sugestão para que o símbolo dos lixólogos sejam pegadas verdes, simbolizando o caminho de luta dos lixeiros na preservação do meio ambiente.

Milhões de anos de maus tratos, os habitantes da terra voltam-se para o início e, tardiamente e tresloucadamente, preocupam-se em preservar o que resta daquilo que, com tanto amor e beleza, foi criado pelo grande arquiteto.


Ricardo Mezavila

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Papo de cozinha




Quando crianças desejamos um quintal para brincar e cuidar do cachorro; quando adolescentes, um quarto para estudar, receber os amigos e a namorada; quando adultos solteiros, um confortável apartamento com cozinha americana e frigobar no quarto; quando adultos casados, uma sala ampla, dois quartos e uma suíte.

Durante toda a minha infância até a juventude, o cômodo mais frequentado da minha casa era a cozinha. Contrariando o que o leitor pode estar deduzindo, a cozinha era um espaço bem mais para conversar do que para preparar os alimentos da família. Ficávamos eu, meus pais e minhas irmãs horas na cozinha conversando, embora o apartamento tivesse três quartos e uma sala enorme.

Assim que comecei a sair à noite e voltava para casa, tinha sempre alguém conversando, a minha espera. Muitas discussões e soluções saíram daquele democrático espaço. A cozinha era sindicato, palco, igreja, escola, esquina, estádio, etc. Foi lá que meu pai me orientou quando votei pela primeira vez. Como ficava próxima a porta, várias despedidas e encontros aconteceram ali.

Cresci acostumado ao “papo de cozinha”. Era lá que minha mãe cantava enquanto lavava a louça, e eu aproveitava para escrever, em meu caderno, as letras das músicas que gostava. Nas festas, nas casas dos parentes, a cozinha era onde ficavam os homens e o barril de chope. Que saudade da cozinha da minha infância...!

Em tempos atuais, frequento cozinhas, mas não com a finalidade única de reunir com a família. Inesperadamente adquiri um talento até então desconhecido: eu gosto de cozinhar! E, incrivelmente, todos tem aprovado o tempero salalhocebola que uso nas comidas triviais que preparo. E, para aqueles que ainda não experimentaram, aguardem um improvável blog de receitas.

Ricardo Mezavila

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Estigma social




Estar acima do peso é um problema muito maior do que se pode imaginar. Para as mulheres é quase a morte, para os homens também, mas com a permissão e compreensão da sociedade criada e dominada por eles, sobrevivem com suas barrigas assim como criam animais de estimação dentro de casa.

Existe uma verdadeira indústria do emagrecimento, todas direcionadas para a estética e nunca para a saúde. A celulite é mais inimiga do que a diabete, a estria causa maior dano do que a hipertensão. Assim, se você reduz a celulite ganha como bônus uma glicose, em jejum, com uma taxa de 70 mg/dl mais ou menos; se a estria desaparece aí você corre menos risco de sofrer infarto.

Segundo o IBGE, em pesquisa feita em 2008 e 2009, no Brasil a obesidade atinge 12,4% dos homens e 16,9% das mulheres com mais de 20 anos, 4,0% dos homens e 5,9% das mulheres entre 10 e 19 anos e 16,6% dos meninos e 11,8% das meninas entre 5 a 9 anos.

Além das doenças que podem ser adquiridas pelo excesso de gordura no corpo, tem também o estigma social. A desaprovação das características pessoais, culturais, comportamentais, que levam ao isolamento social e à marginalização.

A aceitação no meio onde os padrões sociais ditam o tipo físico adequado, a opção sexual permitida, e etnia específica, a religião oficial, a eficiência  intelectual normal, é uma barreira a ser ultrapassada não só pelos obesos, mas por todas as tribos que lutam contra o preconceito e discriminação.

Ricardo Mezavila

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Samuel foi fazer compras na Pavuna


  
É certo que durante a vida muitas pessoas passam por nós, assim como também passamos para muitos. Algumas encontramos nas estradas pedindo carona sem bagagem, outras com um livro, um violão e até com filhos. Às vezes paramos para ouvir suas histórias e imediatamente nos identificamos. Se houver lugar, tudo bem, vamos seguir juntos. Foi nessas idas e vindas que eu e Samuel nos encontramos.

Éramos funcionários de um banco e trabalhávamos de madrugada digitando dados de cheques. A música dele e a minha poesia nos aproximou. Certa vez um dos meus poemas, sem que eu soubesse, foi parar dentro do Caderno B do Jornal do Brasil, na coluna de crônicas do Affonso Romano de Sant’Anna. Alguns dias depois estávamos conversando com ele em noite de autógrafos de seu livro A Mulher Madura.

Foi Samuel que me apresentou a Vladimir Maiakovski, quando me presenteou com a biografia do poeta russo que ele havia encontrado na gráfica, onde seu pai trabalhava. E, sem mais nem menos, senti uma grande afinidade com aquele livro.

Uma noite, antes de começarmos a trabalhar, Samuel veio falar comigo com preocupação, pois a poesia que eu havia escrito e ele levara para casa na noite anterior e deixara em cima do piano, tinha servido para que sua mãe deixasse um recado de que estava indo à Pavuna fazer compras. Ele me entregou o poema e pediu desculpas pelo recado ter sido escrito à caneta. Eu só pude rir e, no outro dia, escrever o poema Samuel foi fazer compras na Pavuna, e presenteá-lo.

Aqui transcrevo alguns trechos: Pode o homem falar com Deus dentro do seu quarto, com a mão na porta e a porta fechada; de olhos na luz e a luz apagada. Calado, em reverência ao próprio grito, e ao silencio da leitura transparente de quem observa a natureza, contribuindo para que ela continue a existir, produzindo a energia que nos torna parte dela, que nos liga ao infinito de toda a existência, permitindo grandes encontros durante o nosso passeio(...) O homem tem em si a raiz da fé, sua luz pessoal não o desampara, pode entrar na floresta mais escura, debaixo de tempestade e sair em um jardim de oásis desconhecido, sem sequer ter sujado seus sapatos(...) Passo por ele na rua e o reconheço, vi o sol sair de seu quarto enquanto ele fazia a lista das compras(...)Algumas sombras se escondem enquanto ele passa, se puderem segui-lo de bicicleta e suportarem olhar a luz da janela do seu quarto, talvez recebam do sol um contive para ir às compras.

Ricardo Mezavila

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Motivação




Quando tinha vinte e poucos anos fui convidado, por um colega, a ir a uma reunião motivacional de uma empresa do ramo de jóias. O colega participava das reuniões e já era quase vendedor júnior. Fiquei chocado com o que vi, naquele lugar não cabia um comunista. O deus grana era idolatrado sem cerimônias. As pessoas ali estavam em  verdadeiro estado hipnótico, meu colega em transe babava na gola da camisa quando o palestrante, sem escrúpulo, dizia que quanto mais a inflação subia, mais as jóias valorizavam. Claro que levantei e saí daquele templo dourado e frio.

Lembrando desse fato percebo que nunca tive ambição material. Conforto sim, mais valia não. Sou o contraponto da política empreendedora dos meios de produção. Sempre fui e ainda sou proletário. Para se ter sucesso tem que ter dedicação! Esse tipo de colocação nunca encontrou terreno fértil em mim. O que é o sucesso? Em árabe quer dizer “mulher forte”, segundo consulta que fiz no google.

Para realizar uma palestra os organizadores fazem uma reunião de briefing , estudam as metodologias, dinâmicas de grupo para facilitar o desenvolvimento prático dos temas desenvolvidos como  motivação, trabalho em equipe, liderança, criatividade e outros. Feito isso falam do “efeito borboleta”; “a mágica da motivação”; “a importância das pequenas atitudes”; “conquistando poder pessoal”, e tantos outros temas que motivam um determinado grupo de trabalho.

Meu colega se continuou no ramo, hoje deve ser, no mínimo, vendedor sênior e deve estar muito rico. Eu continuo pobre porque não nasci para adorar deuses capitalistas e a poesia não troca suas sandálias por sapatos engraxados. Não consigo passar por uma porta sem pensar que posso estar cozinhando feijão e de repente estar em outra dimensão. Viver é a motivação maior.

O poder da palavra quando necessário, tem que ser usado para tranqüilizar quem precisa de apoio, como aquele que espera o retorno de alguém que não vai mais voltar.

Ricardo Mezavila

sábado, 19 de novembro de 2011

Douta Ignorância




Um dos maiores filósofos humanistas participou da transição do pensamento medieval para o Renascimento, e também teólogo, Nicolau de Cusa, escreveu a obra A Douta Ignorância, em que sustenta que ignorante é aquele que se elevou a um nível de reflexão que é capaz de reconhecer os limites e a imperfeição do próprio conhecimento. É o saber que não sabe.

Para Nicolau Deus é transcendente e impossível de ser conhecido. Isso lhe rendeu algumas rusgas com a igreja. “Para poder encontrar o verdadeiro conhecimento, tem que se separar das características das coisas e encontrar a essência das coisas. E tem-se que buscar o que faz a coisa ser o que é, desprendendo-se de tudo o que não o faz único, para encontrar a qualidade ou categoria essencial. O que permite encontrar a qualidade no pequeno limite”.

“O intelecto deseja saber. Todavia, o desejo natural não o leva a conhecer a essência de um Deus que lhe é afim, mas a conhecer um Deus tão grande que não existe nenhum limite para a sua grandeza. Por isso, Deus é maior do que qualquer conceito e do que tudo o que a mente humana pode conhecer. O intelecto não ficaria satisfeito consigo mesmo se tivesse uma imagem do seu criador tão pequena e imperfeita que pudesse tornar-se cada vez maior e mais perfeita. O criador certamente é sempre maior do que toda coisa compreensível e cognoscível, mesmo se esta tiver uma perfeição infinita e incompreensível. Os filósofos caçadores, esforçando-se em caçar a essência das coisas, ignorando aquela de Deus, e em tornar conhecida à essência de Deus que permanece sempre desconhecida, se esforçam inutilmente, porque não entram no campo da douta ignorância”.

Sócrates percorria por esta tendência: “Sei que nada sei”. A única prisão a qual o homem pode ser condenado perpetuamente, está localizada no pseudoconhecimento e arrogância acerca do que ele pensa que sabe.

Ricardo Mezavila

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tradição e Modernidade


Como se sabe, de tempos em tempos, o mundo passa por uma mudança quase que obrigatória em seus costumes. É natural que a ciência, através de suas pesquisas, seja uma das responsáveis por essa modernização. O conflito natural entre o velho e o novo caracteriza a distancia das relações entre o antes e o agora.

Os romanos copiavam a maneira de fazer literatura dos gregos. A       título de imitação, plágio, alusão, epígrafe. Na verdade o passado sempre estará presente no processo que, podemos chamar também de influência, conduzirá os rumos que, mais pessoalmente, nós pensamos em seguir.

Estava lendo antigos poemas em um antigo caderno e pensei em resgatar alguns deles, atravessar as barreiras do passado e trazê-los para uma nova dimensão, mais ampla, onde a tradição do que está escrito não fique estanque no passado e deixe de pertencer somente a ele. Um choque de modernidade nas antigas frases escritas sob o céu da juventude, uma força viva na ordem do dia.

Estou pensando em redimir versos que se sintam renegados, largados por mim em alguma poesia mal entendida. Preciso analisar o velho e o novo, sendo que o primeiro já pressupõe em si o segundo, questionar rimas que não se sustentaram no tempo e amargam a solidão de uma folha amarelada e esquecida.

O novo não pode nunca estar dissociado do velho, assim como o filho não pode estar separado de seu pai, em nenhuma atividade humana esse elo pode ser incompreendido ou negado. A tradição e o modernismo estão ligados pela história.

Como na moda no início do século passado, vou vestir um fraque, usar monóculo e declamar meus poemas nas ruas do Rio, como se estivesse na belle époque tropical, beber cachaças parnasianas e me sentirei tão contemporâneo quanto os bondes elétricos e se tiver sorte vou poder acenar para Olavo Bilac passeando em seu Cadilac amarelo.

Ricardo Mezavila

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Du Rei" (crônica para o homem dormindo)




Com um salame embrulhado debaixo do braço o homem entra no ônibus, pede licença e senta ao lado de uma mulher. Ele sorri para ela com a doçura própria dos homens bondosos e honestos. Ela retribui o sorriso e olha pela janela, o vento balança seus negros cabelos enquanto o ônibus percorre as ruas da manhã nublada.

De repente ela pergunta para onde ele está indo. Ele responde que está indo para casa e que tinha pressa em chegar. Ela pergunta o que ele leva no embrulho. Ele responde que é um salame e que seus filhos gostam muito e, às vezes, ele levava para o lanche deles. Ela docemente sorri e pega em sua mão. O homem percebe a maciez daquela mão gentil e sente um arrepio, como se um vento frio entrasse pela janela e esfriasse todo o seu corpo. A mulher pergunta se ele está se sentindo bem e ele responde com os olhos que sim.

Ele se assusta ao perceber que o ônibus está parado apesar da paisagem alternar entre as casas das ruas. Era como se estivesse sentado assistindo a um filme. Ele olha para os bancos do ônibus e não vê ninguém, nem o motorista está ali. Então ele pergunta para onde a mulher está indo. Ela responde que também está indo para casa, mas que não tinha nenhuma pressa em chegar e também não carregava mais embrulhos.

O homem abaixou os olhos e respirou suavemente. Começou a perceber que aquela viagem não era comum, não era como os dias em que ele corria para alcançar o ônibus, sempre cheio de trabalhadores como ele que, cansados, sentiam a felicidade de uma família a sua espera para o jantar. Começou a olhar pela janela e não reconhecia os lugares que passavam, até que viu um menino correndo  pela rua, achou que o conhecia, mas não tinha certeza, a mulher o conhecia e mandou um beijo materno para  ele, que retribuiu se tornando poeta.

Algo parecido com o tempo ia passando naquela coisa parecida com um lugar. O homem já estava ficando desconfiado de que algo estava errado com ele, quando a mulher pegou o embrulho do salame e abriu. Não havia nada. Ele quis saber onde estava o salame, onde foi parar o recheio do lanche dos seus filhos. A mulher respondeu que o salame estava em sua casa, na mesa, dentro do pão do lanche deles e que ele agora não precisava carregar nada debaixo dos braços. Seus filhos estão alimentados, disse a ele, você soube muito bem como deixá-los preparados e que ele precisava apenas dormir um pouco e acordar quando o ônibus abrisse as portas.

Assim fez o homem: dormiu....dormiu.....dormiu! O homem dormiu, mas sempre estará acordado e sorrindo para os seus filhos, seus netos, para toda a sua família.

Ricardo Mezavila

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Uma coisa linda (pro Guilherme e Raphael)




De todas as coisas lindas, a mais linda de todas as coisas, a coisa mais linda de todas as coisas lindas, é quando uma criança, parecida com a borboleta que acaba de sair de sua casca e percebe que pode voar, entende que pode fazer, e melhor, as coisas que os adultos fazem. Você captar este instante na criança é que faz a coisa linda.

Ao descobrir que pode tudo, a criança é responsável pelo nascimento do homem novo, e com o homem novo nasce a perspectiva do mundo novo. As ruínas da destruição são removidas, os continentes enxugam suas lágrimas, as florestas se organizam. Uma nova era se aproxima e o sangue que corria nos rios, agora está de volta às veias.

O ovo se quebrou, um novo e vigoroso sol faz com que nossos dias sejam como uma pintura colorida. As aves migram voluntariamente para manter a tradição da espécie, pois há alimento por toda parte. Quem tiver a felicidade de ter por perto uma criança, que observe isso atentamente. O mundo velho do homem do velho mundo em que vivemos, esconde essa alegria dos olhos do homem novo do novo mundo em que vivem as crianças.

O novo homem que sou está sentado no topo do velho mundo sem saber se continua a caminhar ou se voa. A força, sem oposto, da gravidade do velho mundo é a prisão do homem novo. Não vou desperdiçar meu tempo, vou passar os dias como a tarde que se despede com o céu vermelho por onde chegam as estrelas.

Assim como Dali :‘’Estou a pintar quadros que me fazem morrer de alegria, estou a criar com absoluta naturalidade, sem a menor preocupação estética, estou a fazer coisas que me inspiram com uma profunda emoção e estou a tentar pintá-los com honestidade’’. 


Ricardo Mezavila

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Passageiro das Palavras






É uma das propriedades da palavra servir de transporte quando se quer uma viagem pelo tempo. A bordo do alfabeto, percorremos lugares dentro e fora da memória. Podemos danificar as engrenagens da cronologia e inventar uma máquina capaz de devolver ao passado um rosto liso, sem rugas.

Acontece isso quando estou debruçado sobre o universo das palavras e sinto uma enorme intimidade com cada letra. São todas operárias amigas, a ponto de oferecerem-se generosamente, a construir, suavemente, a poesia que amanhece nos meus dias, assim que o sol toca o primeiro acorde.

Passageiro das palavras, fui transportado a um lugar místico, irrefutavelmente glorioso. Fui conduzido ao templo onde uma estrela solitária vive com um brilho da intensidade de uma constelação.

Através das palavras cheguei até a sede histórica do Botafogo para, junto com outros seis “passageiros”, viver uma tarde inesquecível. “A Magia do 7”,crônica sobre o mito da camisa 7 alvinegra, foi selecionada para compor coletânea em um livro. Sete felizes cronistas estavam lá, protagonistas de uma viagem literária.

A semente, quando plantada em solo apropriado não demora, surge para fora da terra, com o aspecto definido pela genética. Palavras são sementes que, plantadas  apropriadamente, fertilizam nos jardins da inspiração e suas flores são néctar para quem faz o bom uso delas.



Ricardo Mezavila

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Manhãs de setembro


mudanças (Vanusa)


Existe, amiúde, uma linha do tempo, discreta, costurando os acontecimentos, confeccionando o tecido das ações com dedos sensíveis, generosos e disponíveis para oferecer calor em dias de muito frio. Às vezes, a cega ingratidão cuida de escurecer o tempo e a linha se parte, desprezada, fica encostada na margem como um objeto jogado fora, que a correnteza arrasta.

A porta do esquecimento é larga, com muitos tapetes de boas vindas. Passando por ela entramos no vazio da memória atemporal. Assim, como um pregador sem pressão, o esquecimento nos torna quase inúteis.

O bem feito quando menosprezado, é impropriamente incorporado ao patrimônio daqueles que usufruem como se algum mérito tivessem. Emergem de suas tramas diabolicamente com um abominável sorriso que, não tem como, escondem “porcamente” suas feridas morais.

O mundo convive com pessoas que vampirizam a matéria, os ideais e que se alimentam da tristeza do outro como se estivessem em um “churrasco de lágrimas.” Derrubam,  com a marreta, o sólido muro que o outro construiu e diz que foi o vento.

A indiferença não destrói a beleza e a alegria. Como na canção :“a minha poesia você não rouba não”

E, assim, pedras preciosas vão ficando no canto das calçadas, esquecidas, às vezes, ridicularizadas por quem nunca vai brilhar. Como a cantora Vanusa, ícone das lutas feministas, levantou várias bandeiras em uma época de silencio repressor. Compositora de letras de cunho revolucionário pelos direitos da mulher. 

“Fui eu quem se fechou no muro
E se guardou lá fora
Fui eu quem num esforço
Se guardou na indiferença
Fui eu que numa tarde
Se fez tarde de tristezas
Fui eu que consegui
Ficar e ir embora...
E fui esquecida
Fui eu!”


Ricardo Mezavila

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Qual o seu número?




Nasceu anteontem nas Filipinas o ser humano número sete bilhões, segundo o Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA), seu nome é Danica, nascida no domingo, dois minutos antes da meia-noite, tem 2,5 quilos. "É muito bonita. Não posso acreditar que seja a habitante sete bilhões do planeta", comentou emocionada a mãe Camille Dalura. A criança receberá uma bolsa de estudos e seus pais uma quantia em dinheiro não divulgada.

Fico imaginando o que leva alguém a afirmar que aquela criança é a de número sete bilhões. Se perguntarem a polícia militar vão dizer que é a número três bilhões e meio, e que as Nações Unidas estão exagerando.

No ano em que nasci, o salário mínimo era de R$ 1.612,00(valor atualizado), o maior valor real da história segundo o DIEESE. A população do planeta era de, aproximadamente três bilhões de habitantes (dobrou em cinquenta anos), conforme ilustração do gráfico de indicadores do desenvolvimento mundial, dados do Banco Mundial.

Penso que, se no ano em que nasci a população mundial era de aproximadamente três bilhões, o IBOPE diria que há possibilidade de uma pequena margem de erro para mais ou para menos, então posso ter sido o habitante número três bilhões, e se meus pais recebessem uma quantia em dinheiro, haja vista o alto poder de compra do salário mínimo à época, hoje eu seria uma personalidade mundial e ainda teria uma boa herança.

Fatos à parte, a comemoração pelo nascimento de Danica, representa e ilustra simbolicamente, o desafio do crescimento demográfico. A Ásia concentra dois terços da população mundial.

Para o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a data não é motivo de alegria. "Os recém-nascidos chegam a um mundo contraditório, com muita comida para uns e com a falta de alimentos para um bilhão de pessoas que vão dormir com fome todas as noites. Muitas pessoas gozam de luxuosos estilos de vida e muitos outros vivem na pobreza", disse à revista americana "Time".

Ricardo Mezavila