O
corpo da lenda do blues ainda recebe homenagens pelo planeta, enquanto sua alma
não para de trabalhar inspirando guitarras. O genial B.B. King será sepultado
em um museu dedicado à sua vida, em Indianola, no Mississipi. Em procissão seu
corpo será levado do aeroporto de Memphis, no Tennessee, passará pelo Handy
Park, onde pela primeira vez conheceu a fama, e seguirá na derradeira blues
highway, até sua cidade natal. Ser enterrado em um museu é a confirmação da
lenda, a consagração da obra e o eterno reconhecimento da história.
O
funeral do rei do blues e toda reverência, tem a ver com sua postura e
dignidade na forma como viveu e como morreu. A arte que enaltece também
enlouquece. O escritor Ernest Hemingway tentou por cinco vezes o suicídio antes
do êxito, uma das tentativas foi se jogar na hélice de um avião. Confessou a um
amigo: ”Não consigo terminar o livro. Não posso. Tudo o que consegui hoje
foi uma frase, talvez mais, não sei e não consigo. Nada, entende, nada”.A
necessidade de produzir pode se transformar em barbitúrico, no caso de
Hemingway esculpiu-se em uma espingarda.
O
poeta russo Vladimir Maikovski também deu fim à vida com um tiro no coração.
Sem perspectivas para sua arte, esquecido pelo governo o qual tanto batalhou
para que fosse possível, com problemas de saúde e infeliz em seus
relacionamentos amorosos, apertou o gatilho contra o próprio peito em sua casa,
na praça Lubianka, em Moscou. Antes dele, um outro poeta da antiga URSS, Sergei
Yesenin, cortou os pulsos em um dos quartos do Hotel Inglaterra, também em
Moscou. Há uma versão de que ele teria escrito com o próprio sangue a frase no
final de um poema: “Se não há novidade em viver, tampouco há em morrer”. Cazuza,
em Ideologia, disse que seus heróis morreram de overdose. Eu entendo
essa mensagem como se a falta de inspiração se transformasse em falta de
oxigênio, o que leva ao desespero e ao excesso.
Se
nem todos os artistas têm um museu-mausoléu como Mrs. King, há os que descansam
em um cemitério-museu, na cidade de Paris. Lá estão enterrados alguns daqueles
que iluminaram a cidade com a arte e a ciência. Marcel Proust tem um bloco de
mármore sobre si; Balzac um busto de bronze; Edith Piaf é cercada por flores e
a ossada de Moliére está ao lado da de La Fontaine. Muitos artistas viveram com
os cabelos bem cortados e bebiam socialmente, outros empacotavam ratos e tinham
um estilo de vida politicamente incorreto.
Se a
moda pegasse, eu queria ser enterrado no Louvre para estar acompanhado da Mona
Lisa, da Vitória de Samotrácia e da Vênus de Milo. Sem falar que meu endereço
passaria a ser entre o rio Sena e o
Champs-Élysées. No museu posso trocar ideias com Rembrandt, Michelangelo, Goya
e Leonardo da Vinci. Dizem que quem vive do passado é museu, concordo. Não
haveria presente sem o passado, o tempo é essa mola maluca que não para de
pular com a gente em cima tentando se equilibrar. O futuro é especulação
administrada, mas é especulação. Seria bom se pudéssemos reunir toda essa gente
no museu de B.B. King no dia 30 de maio, data de seu sepultamento, para um
brinde. Não na taça de uma cerveja de grife, é muito modinha; nem no cálice da
última ceia, é blasfêmia; mas com os copos de Baco, tem mais a ver com a turma.
Santé!
Ricardo
Mezavila.
Escritor
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