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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O fantasma que exorcizamos e o livro que não entreguei




Em junho deste ano visitei o Uruguay, em plena copa do mundo, o país estava em festa com a seleção celeste e motivos não faltavam, a copa era no Brasil, palco do Maracanazo de 1950, a seleção em alta com jogadores valorizados no forte mercado europeu. Em Montevideo o clima era de futebol, as ruas enfeitadas e a rapaziada animada. Eu e minha esposa Sueli nos hospedamos no bairro Pocitos, onde morou o poeta Vinícius de Moraes quando era diplomata, lá ele escreveu A Felicidade e várias poesias, inspirado nas “Ramblas” e no Rio da Prata. A temperatura no sol era de oito graus, muito frio e um vento úmido de cortar a carne.

Quando viajo prefiro passear pela cidade de ônibus e a pé, assim vou conhecendo melhor os lugares, conversando com as pessoas e aprendendo sobre os costumes e a história. Gosto de caminhar pelas ruas periféricas, aquelas que ninguém recomenda, e ficar meio que “perdido” até me encontrar em uma esquina com prédios antigos e teatros em ruínas. Em Montevideo não foi diferente, passávamos o dia todo andando de um lado para outro, conhecendo lugares turísticos e ficando o mais próximo possível do cotidiano da cidade.

Quando entramos no ônibus 117 com destino a Plaza Independência os bancos estavam vazios, durante o percurso foram entrando muitos passageiros e, como de costume quando estou em transporte público, cedi meu lugar para uma senhora que disse que estava a bajar (descer) do ônibus e agradeceu. Eu estava segurando o meu livro e ela perguntou quem era o autor, meio sem graça disse que eu era o autor, ela fez uma cara de surpresa e fez duas perguntas, uma óbvia, mas a outra não entendi muito. Primeiro perguntou de onde nós éramos, quando soube perguntou se éramos religiosos e respondi que sim, ela fez um ar de alívio e disse: “encantada”. E desembarcou na Calle Juan D. Jackson.

Nosso programa daquele dia era comer chivitos (sanduíche em um pão enorme com queijo, presunto, bacon, ovo, batata frita, tomate, alface, cenoura, pepino e pimentão, que é servido no prato), na Ciudad Vieja; depois ir até a sede do governo e entregar, ou deixar na portaria, meu livro para o presidente José Pepe Mujica e assistir ao jogo entre Uruguay e Colômbia no telão da Plaza Intendência. Antes do jogo do Uruguay, a seleção brasileira jogaria contra o Chile e fomos convidados a assistir o jogo em um bar de brasileiros com comida brasileira e caipirinha, claro que não fomos, nosso objetivo era a Cidade Velha, chivitos, a cerveja Patrícia, entregar o livro ao Pepe e assistir o jogo da celeste junto aos uruguayos.

Na Ciudad Vieja almoçamos no El Peregrino, a casa tem cento e cinqüenta anos e é toda original, seus antigos donos eram ingleses, de Liverpool, as gerações seguintes mantiveram a arquitetura e, principalmente, a atmosfera musical do espaço. Toda a decoração é rock’n roll, desde Chuck Berry, passando por Bil Halley, Elvis, Stones, Beatles e Bob Marley. A recepção que tivemos foi agradável a ponto de eu esquecer que a sede do governo iria fechar horas antes do jogo e acabei não entregando o livro, o que fiz depois via correios.

Saímos dali e ainda tivemos tempo para uma visita guiada ao Teatro Solis, o mais importante de Montevideo, onde os maiores artistas do mundo se apresentam como os brasileiros Gil, Caetano e Chico, assim falou a nossa guia. Durante a visita fomos brindados com esquetes de grandes espetáculos. Sem falar que o ambiente é luxuoso e provocantemente inspirador.

A hora do jogo se aproximava e pegamos o ônibus 62 para a Plaza Intendência, lá tem um telão onde uma multidão assiste aos jogos da celeste. Chegando na praça sentimos o forte cheiro de maconha. Aqui é liberado! – eu disse. Tinha de tudo na praça: máscara do Suárez mostrando os dentes, pessoas com o corpo todo pintado de azul e branco, gente coberta com lençol azul lembrando o fantasma de 1950, manifestação contra a copa, nós participamos, só faltou futebol e, no Maracanã, a seleção ia sendo eliminada.  Milhares de torcedores não escondiam o nervosismo. Como o jogo caminhava para um fim trágico, saímos dali e terminamos de assistir a derrocada no “Tranquilo Bar”, que não estava nem um pouco tranquilo.

Assistir a derrota do Uruguay foi decepcionante, mas não dá para deixar de sentir um gostinho de vingança, sessenta e quatro anos depois, vendo a celeste ser eliminada no Maracanã. “Somos os Caça-Fantasmas da copa de 1950” - disse Sueli brindando escondida com cerveja Patrícia. Voltamos para o hotel completamente “patriciados”, o livro que eu entregaria ao presidente estava intacto dentro da mochila, li a dedicatória mais uma vez e apaguei a luz porque o dia seguinte teria Punta del Leste e Casa Pueblo no roteiro.


Ricardo Mezavila

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