De longe ouço a voz dos irmãos,
que um dia estiveram por aqui e me beijaram o rosto, riram a minha risada e
olharam para o vazio das perguntas sem respostas. Longe, ouço todas as canções
que um dia nós fizemos, em harmonia com a natureza, com o vento, que sempre
vive entre um silencio e outro. As árvores vão balançar as suas folhas, o
asfalto vai queimar os nossos pés, as máquinas irão funcionar com seus tons de
suor, a lua reinará na noite abençoando nossos sonhos.
De longe, lá de longe, ouço a voz
dos irmãos que um dia pisaram na calçada que pisamos, desceram as ladeiras
debaixo da chuva e olharam quando o arco-íris despontou no céu, balançaram a
cabeça sorrindo de uma borboleta colorida repousando em uma flor, sentaram no
muro da casa da esquina e coçaram a cabeça de um pequeno cãozinho.
De longe, mas cada vez mais longe,
ouço a voz dos irmãos que se foram em uma manhã ensolarada, pegando carona na
garupa de um raio solar, saltando as nuvens e brincado com os pássaros,
atravessando o tempo de uma respiração e o espaço entre uma e outra batida do
coração.
Fiquemos todos de sentinela, pois
a vida passa com a doçura do mel, mas também com os ferrões da pequena abelha
que o produz. Fiquemos alerta para que a surpresa não nos recepcione na próxima
estação, toquemos o barco com o remo firme em nossas mãos para que uma onda
maior não nos surpreenda.
Lá vai a voz misturando-se com o
barulho da cidade, sumindo no calendário como a antiga roupa que usamos na
formatura. As calças já podem estar curtas, já podem faltar botões nas camisas,
a comida vai esfriar em cima da mesa, a poeira dos sapatos vai acomodar entre o
cadarço e a sola, e os sinos vão tocar uma canção diferente na primavera desta
manhã de sol e de saudade.
Ricardo Mezavila
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