Aos
noventa anos ainda me sinto como se tivesse cinquenta e seis, ainda tenho
cabelos, desço e subo escadas correndo, sem a menor dificuldade. Hoje, só hoje,
eu tenho noventa anos, amanhã eu volto para a minha insignificante casinha dos cinquenta.
Mas é que hoje, o meu velho estaria completando nove décadas de vida. Quase
chegou lá, ficou por míseros quatro anos, que são infinitos quatro anos.
Eu
estaria ao seu lado hoje, não tenho a menor dúvida disso, estaria na varanda
conversando sobre... Tudo! A gente conversava sobre qualquer coisa, mas é claro
que família, futebol e política eram nossas preferências. Sobre família, a
nobre preocupação patriarcal; sobre futebol, a velha choradeira alvinegra;
sobre política, os velhos: Getúlio, Jango e Brizola. Meu pai era assim: um pai
amado, um torcedor sofrido e um político astuto.
Modesto,
era um poeta que não escrevia, preferia a palavra molhada por Antarctica ou
Brahma, não nessa ordem necessariamente, mas era adepto do bom papo, da
reflexão cautelosa, do carinho quando olhava seus filhos, netos, bisnetos e a
nora, que ele me aconselhava em off: -“Casa com essa aí”!
Meu
velho foi embora na calma de uma manhã ensolarada, foi na carona de uma nuvem
rebelde que passou arrebanhando os melhores quadros para o utópico desfile da
velha guarda socialista.
Hoje
eu tenho noventa anos e não estou sentindo o peso das pernas, nem a dor da
saudade, estou sentindo o amor derretendo para fora dos meus olhos, molhando as
lembranças de dias em que um abraço era maior do que uma coleção de poemas.
Ricardo
Mezavila
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