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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Meus noventa anos

Sta M. Madalena



Aos noventa anos ainda me sinto como se tivesse cinquenta e seis, ainda tenho cabelos, desço e subo escadas correndo, sem a menor dificuldade. Hoje, só hoje, eu tenho noventa anos, amanhã eu volto para a minha insignificante casinha dos cinquenta. Mas é que hoje, o meu velho estaria completando nove décadas de vida. Quase chegou lá, ficou por míseros quatro anos, que são infinitos quatro anos.

Eu estaria ao seu lado hoje, não tenho a menor dúvida disso, estaria na varanda conversando sobre... Tudo! A gente conversava sobre qualquer coisa, mas é claro que família, futebol e política eram nossas preferências. Sobre família, a nobre preocupação patriarcal; sobre futebol, a velha choradeira alvinegra; sobre política, os velhos: Getúlio, Jango e Brizola. Meu pai era assim: um pai amado, um torcedor sofrido e um político astuto.

Modesto, era um poeta que não escrevia, preferia a palavra molhada por Antarctica ou Brahma, não nessa ordem necessariamente, mas era adepto do bom papo, da reflexão cautelosa, do carinho quando olhava seus filhos, netos, bisnetos e a nora, que ele me aconselhava em off: -“Casa com essa aí”!

Meu velho foi embora na calma de uma manhã ensolarada, foi na carona de uma nuvem rebelde que passou arrebanhando os melhores quadros para o utópico desfile da velha guarda socialista.

Hoje eu tenho noventa anos e não estou sentindo o peso das pernas, nem a dor da saudade, estou sentindo o amor derretendo para fora dos meus olhos, molhando as lembranças de dias em que um abraço era maior do que uma coleção de poemas.


Ricardo Mezavila

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