Impressionante
como o tempo realmente tem a capacidade e o poder de transformar a história. O
que era culpa vira inocência, o castigo vira perdão, a condenação vira indulto,
a acusação vira defesa. Parece que existe uma entidade divina ou profana, que
se encarrega de riscar o que estava escrito para atender oligarquias.
Recentemente
o Brasil assistiu ao documentário “Ninguém sabe o duro que dei”, sobre o cantor
Wilson Simonal. Para quem ainda não sabe, Simonal fez muito sucesso nas décadas
de 1960/1970, emplacando um sucesso atrás do outro. Era assumidamente debochado
e mascarado. Negro, em uma época onde brancos e militares comandavam as artes e
a política, ironizava sua condição de novo rico com ironia e arrogância.
Acreditando
que tinha sido vítima de um esquema financeiro e iludido pela fama e pelo
dinheiro, Simonal abusou das bravatas, usou seu prestígio de artista para se
aproximar dos órgãos de opressão da época para dar um “corretivo” violento em
seu contador nas dependências do DOPS (Departamento de Ordem Política e
Social), órgão repressor perseguidor de artistas e intelectuais da esquerda.
O
excepcional showman foi acusado, por conta do episódio, de trabalhar
para o regime militar, a mídia e a esquerda o tratavam como dedo duro da direita.
Seus colegas artistas o crucificaram e o abandonaram, não fechava contrato para
shows e viveu no ostracismo até o fim de sua vida. Foi torturado, não com a
tortura física dos porões, mas a tortura de ter que conviver com o erro
imperdoável da delação.
Antes
de morrer, já doente, conseguiu provar
sua inocência, que nunca foi reconhecida pelo público. No documentário aparecem
artistas, que na época se calaram permissivamente, quase pedindo perdão ao
artista injustiçado. Simonal foi vítima do seu despreparo, por não saber fazer
a leitura de um contexto adverso socialmente, pensou que sua origem pobre tinha
sido riscada da história, e se valeu da prepotência e da “prata”, suas armas
insustentáveis.
Hoje
no país, com as investigações indo a todo o vapor, os intocáveis artistas,
protegidos por uma rede de interesses, começam a aparecer em listas de bancos
suíços. Até agora não surgiu nenhum nome com o perfil social do cantor de “País
Tropical”. Alguns conseguiram bons financiamentos através da Lei Rouanet e do
Fundo Nacional de Cultura para justificar meia dúzia de cenários pintados com
guache.
Por
conta disso, pelo peso e pela medida, peço a criação informal da Lei Simonal, para
punir com o ostracismo todos os artistas e intelectuais corruptos, que vão a
público pedir transparência e fazer selfies, mas que no privado são
beneficiados pelo esquema, sem a arrogância quase ingênua do Simonal, mas com
as unhas grandes e afiadas das piores
rapinas.
Ricardo
Mezavila.
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