O
tempo definido em sua forma mais crua e “in natura”, é como o rosto de Brigitte
Bardot aos vinte e aos setenta e cinco. Esse é o tempo da física e da
materialidade das horas, do pulo sobre lombadas nas estradas de alta velocidade
quando perder a direção é quase um efeito obrigatório. Mas ainda tem o tempo da
imaterialidade pragmática que acontece quando um tigre persegue uma gazela. É a
hora do foco e do espaço, o tempo coadjuva e assiste ao salto que vai garantir
o alimento da espécie.
Reiteradas
vezes o precipício surge como a única ponte capaz de fazer a travessia entre o
sonho e a ação, o delírio e o contexto, a farsa e a transparência. Saber
conduzir a queda é ressurgir sobre as pedras e continuar no caminho como se
fosse natural cair em pé de uma altura considerável, se machucando, mas
seguindo.
Depois
é só avaliar o rumo e seguir a pauta, escrever-rasgar-escrever quantas vezes
forem preciso sem limite e sem horizonte, entortando esquinas e quebrando ruas,
desistindo e retomando sempre fora da lógica conservada em barris de autoridade
e obediência. Transgredir é preciso para que a disciplina seja imutada e
desobedeça às regras, deslize na anarquia e caia dentro do caldeirão
insubordinado, que seja o ingrediente agridoce da revolução que começamos e
terminamos todos os dias.
As
marcas no rosto de Brigitte estão dizendo que a velhice é factual, obedece aos
desígnios do calendário, enruga o cenário liso que não conseguimos segurar por
todo o tempo. Mas também são mapas, com rotas ainda a serem exploradas por quem
ainda possui forças e vontade suficientes para sair da inércia e conquistar,
passo a passo, todos os mistérios que ainda dormem observados pelos olhos da
aventura.
No
rosto de Brigitte estão as linhas de uma costura indelével, que não pode ser
apagada. Indiferente aos retalhos, a pele não é destruída porque possui o
reforço das recordações e os cuidados que só as costureiras sábias têm. O tempo
é vírus e vacina, morde e assopra, derruba e edifica, é o menino de todos os
homens e o príncipe de todos os reis; o escravo de todos os senhores e a
energia de todos os deuses.
Ricardo
Mezavila.
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