Para quem pensava que aqui era o templo do futebol, um
recado: Nós gostamos de futebol, mas não somos idiotas. A república das
"bananas", definitivamente, não é aqui. Se a imprensa alemã divulga
imagens de seus jogadores dançando com índios e diz que somos todos índios,
VIVA, somos todos índios, mas não somos alemães, não executamos seis milhões de
pessoas por discordância étnica; se a imprensa inglesa desdenha a cultura das
nossas favelas, VIVA, somos todos favelados, mas não somos ingleses, não fomos
nós que guardamos o tesouro que os nazistas roubaram da Checoslováquia.
Estou
de tocaia nos aeroportos, daqui a pouco a comitiva portuguesa vai chegar com
suas armas, seus jesuítas e seus piolhos. Vão procurar por nossas virgens e
nosso ouro, VIVA, nós somos ricos e nossas mulheres são lindas, mas não somos
portugueses, não expropriamos terras de nativos e nunca fomos covardes para
fugir de nossas próprias divisas; Os franceses vão desfilar racismo e deixarão suas
pegadas “français de souche” (puro sangue), pelas ruas, VIVA, nossa cultura é
diversificada, não somos franceses, não discriminamos marroquinos, argelinos e
tunisianos.
Vou
preparando a pontaria para quando os holandeses chegarem, eles irão para o
Leblon e se disfarçarão de surfistas, trocarão idéias em sua língua nativa e
tentarão formar gangues, VIVA, somos todos surfistas, mas não somos holandeses,
não embebedamos meninas com vodka e as colocamos nas vitrines para o sexo; com
o mesmo cuidado separarei algumas pedras para os italianos, eles gostam de
queimar cientistas, professores e artistas na fogueira, podem querer incendiar
nossas religiões afro-brasileiras, VIVA, somos todos ecumênicos, não somos
italianos, não causamos banho de sangue em Jerusalém.
Ainda
tenho pedras, as maiores estão guardadas para quando o Tio Sam pisar por aqui,
não quero que conheça a nossa batucada, prefiro que fique longe da nossa
cultura, que dance na chuva sozinho; aqui não é depósito de armas químicas, não
escondemos terroristas, não temos ogivas nucleares apontando para nenhum país;
não nos metemos em brigas alheias, respeitamos a constituição e a bandeira do
vizinho; eles podem querer nos convocar para a guerra fria, VIVA, somos todos antiimperialistas,
não somos como os yankees, não plantamos guerra e nem abastecemos de armas os
dois lados do front.
Sem pedras
nas mão, mas com a consciência ainda percorrendo todos os lugares, olho para
dentro de casa, faço mea culpa, ainda podemos melhorar muito, restaurar as mobílias
velhas e deixar a casa arrumada; algumas coisas estão pendentes e não há inocência
no silencio, sinto falta de vozes mais agressivas, vozes que saiam de dentro de
uma nota menor para estragar o concerto, desafinar a orquestra e derrubar o
maestro. Podemos começar por esclarecer se há corpos enterrados na cabeceira da
pista da base aérea de Santa Cruz; e se Stuart Angel, Rubens Paiva e tantos
outros tiveram tempo de atirar todas as suas pedras.
Ricardo
Mezavila.
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