Faltam
poucos dias para o início da copa e parece que já perdemos a final, um novo
Maracanazo, só que antecipado. O silêncio histórico causado pela chuteira de Ghiggia,
naquele dezesseis de julho, calou a alegria, o otimismo, o orgulho patriótico
que saía das línguas e invadia as ruas enfeitadas. Inacreditável, é esse o
adjetivo, para definir o que está acontecendo hoje. Nem o pessimista por mais
“urubuzado” que fosse, arriscaria que o clima pré-copa fosse estar tão
desanimado.
Será
que o povo percebeu a tempo que os governantes se aproveitam dos gols dos
nossos craques para tentar transformá-los em votos? Será que o futebol não é
mais aquela paixão de antes? Nada disso. Acredito que um grande constrangimento
coletivo está pairando sobre os nossos dias, uma anticatarse, um apocalíptico sorriso
amarelo do Oiapoque ao Chuí, como costumamos dizer.
Confesso
que estou consciente na “patrulha”, já não torço pela seleção desde 1986, então
é fácil não torcer agora, mas começo a sentir o peso de conviver com quem quer
torcer, mas não tem coragem. Parece que a ditadura voltou, e torcer pela
seleção pode acabar em uma cadeia do DOPS, sob tortura. “A minha gente hoje
anda falando de lado e olhando para o chão”, é por aí. A culpa é do
governo! Bordão criado para um programa humorístico e que reflete a metade da
culpa, a outra metade é nossa, porque elegemos o governo.
Estou
disposto a liberar as pessoas do meu relacionamento a torcer, não vou mais
patrulhar a alegria de ninguém com minha cara de falso censor, afinal demoramos
tanto a conquistar a democracia que os rabugentos de plantão não tem mais
espaço nas nossas festas, que fiquem mastigando solitários as palavras de ordem
contra o sistema. Que façam suas observações irônicas, como: “engraçado, não
vi nenhum carro com a bandeirinha do Brasil na janela”, ou, “na última
copa as ruas já estavam enfeitadas nesse período”. Sim, o clima está tenso,
mas se não houvesse copa, a educação, saúde, segurança e transporte estariam
mais eficientes?
A
gente passa e tudo permanece do mesmo jeito, não vai ser querendo a derrota da
seleção que nossos problemas serão resolvidos. Seria ótimo se depois da copa as
pessoas estivessem mais conscientes e fizessem valer os seus direitos; seria da
maior importância que os legisladores, sentindo a pressão das ruas, discutissem
as prioridades com transparência e colocassem na discussão do dia as reformas
que tanto desejamos. Protestar também é uma bandeira, mas não de estádio, que
tem de estar presente quando o assunto for de interesse social e econômico, não
cabe colocar o futebol nisso.
Mantenho
a minha decisão de não torcer, porque não consigo, mas seria bom se o clima esquentasse nas ruas, que
tivessem mais bandeiras nas janelas, ruas enfeitadas e crianças participando.
Nós, brasileiros, não temos fama de ranzinzas, de mal humorados, talvez a
alegria seja o maior dos protestos nessa hora, pode ser a arma que falta para
nos enxergarmos inteiros para, depois sim, chamarmos na “xinxa” aqueles
que inventaram o pecado.
Ricardo
Mezavila
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