O
homem velho quando fica sozinho não caminha com os pés, seus olhos comandam as
suas pernas, que correm nas lembranças para dentro do tempo. Evitam atalhos e
preferem os lugares mais acidentados e difíceis, porque talvez por ali tenha
deixado de viver alguma coisa por medo das pedras, pensa que não foi forte o
suficiente para pular os abismos ou consertar a ponte caída.
O
homem velho olha para o céu e vê o mar refletido, quando molha seus pés no mar
consegue definir onde estão as águas das nuvens mais jovens, sabe tirar do sal
a poesia e da areia as pautas que o levarão de volta para o horizonte de outros
dias. Não mergulhar é diferente de ter a pele seca e os cabelos penteados, é
como se seus ouvidos escutassem o que dizem as conchas quando começam a cantar
nas ondas.
O
homem velho é um quadro pintado com guache, caminhando por estradas longas e
retas, de mochila nas costas, de bota de couro, com alguns dentes de alho
dentro do bolso, com um lenço amarrado no pulso. Quando senta no meio-fio e
olha para a esquerda vê a volta lenta em cima de um elefante com patas de
tartaruga, quando olha para a direita vê a partida imprevisível montada em um
cavalo azul com dentes de cobra.
O
homem velho tem mais de uma mãe e nunca teve mais de um pai, porque todas as
mulheres que estiveram em sua vida, um dia, exalaram maternidade em um gesto,
uma conversa. Seus dias chuvosos são cheios de sol, talvez porque não seja mais
capaz de separar a chuva do suor, porque não seja mais interessante saber o que
é uma lágrima alegre e uma triste.
O
homem velho tem o poder de olhar com a boca e falar com os olhos; ouvir com o
nariz e cheirar com os ouvidos. Os sentidos se misturam, fazem laços
solidários, trabalham em equipe para que a máquina funcione imperfeita, com
enguiços, explosões, vazamentos e falhas, mas que continue por aí, mesmo que
seja em uma oficina com o chão sujo de óleo e uma placa caída dizendo: “O tempo
passa e eu estou atrasado”.
Ricardo
Mezavila.
Nenhum comentário:
Postar um comentário