Tem pessoas que nascem para ser poeta e outras para ser
poesia. Assim, desta forma difícil de explicar, existe um hiato, uma centelha,
um estalo, um corisco, uma faísca, um cheiro, que surge de repente e que vai
embora do mesmo jeito. Chega do nada como abelhas que polinizam as flores; a
semente se instala em algum lugar, que pode ser na nascente do sangue, no
tecido da pele, no contorno do coração ou no fio invisível que dá movimento ao
corpo.
Eu comecei a escrever ouvindo a poesia que as pessoas
sentiam, mas não escreviam. Ainda escrevo por isso: um vento, uma palavra, um
olhar. Nasci homem, mas sou máquina, meus dedos são teclas de letras, meu
pensamento é um oásis que vive daquilo que não é escrito. Sou poeta, malandro
das letras. Meu terno branco é o farol e faço do meu chapéu um banquinho para
sentar na esquina e olhar os dias.
Às vezes o silencio do vento traz as nuvens da inspiração e,
com elas, o som da tempestade faz vibrar com calma os relâmpagos por cima da
rotina. Depois tudo segue normal, dentro da ordem das sombras, nos passos das
horas, na moral dos sonhos permitidos, nas reflexões irrefutáveis e na bagunça
da natureza mal vestida.
O poeta e a preguiça são da mesma laia, farinha do mesmo
saco. E é aí que o malandro aproveita, porque é da mesma linhagem, e faz uma
arrumação com as palavras, deixando a casa bonita e arrumada para receber
visitas. Um esfregão aqui, uma flanelada ali, um tapete de boas vindas na
porta, joga o lixo fora e... tá tudo certo.
O poeta e a poesia são gêmeos fecundados nas estrelas, filhos
do universo. Existem nas inexistências, são fatos que não acontecem de fato,
brotam do vazio e se espalham pelo chão de verbos formando estradas. O poeta é
o fogo, a catimba, o malandro; a poesia é a fumaça, a elegância e o divino.
Ricardo Mezavila
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