A ideia de envelhecimento, para
mim, é interessante. Vou tocando e meu barco, vai se aproximando do cais, de
onde partimos para a ilha da saudade. Envelhecer é um processo não só
cronológico, mas de conhecimento e incorporação do tempo. O passado deixa de
ter importância prática e vira arrependimento crítico. As lembranças vivem em
um baú de cortinas, cada uma com uma cor, um cheiro, um som, um truque, e são
abertas e fechadas conforme as datas, as estações e o tempero do sonho.
O envelhecimento está guardado
dentro de um quarto de portas fechadas, a gente passa e percebe o mistério. As
chaves estão no saguão da luz do amadurecimento, sob a guarda dos dias. As
luzes apagadas aumentam o segredo. Envelhecer é crescer para dentro, tornar as
coisas maiores, enquanto o corpo disfarça com seus toques invencíveis e seu
excesso de presença.
Hoje fui acordado com o meu neto
assobiando em meus ouvidos os seus primeiros acordes, como um pequeno pássaro
que salta do ninho e se reconhece ave. Abrindo as asas percebe que voar é
atingir além do que seus olhos veem; enquanto um pequeno e triste príncipe passeando pela aldeia descobre um menino
sorridente, brincando com um pedaço de papel que voa. O menino que ri, atinge.
Vou tocando e meu barco, vai se
distanciando do agora, com alegria e festa. O inevitável é a fonte da vida.
Saber o final da história é uma vantagem que temos de explorar com mais
sensibilidade. Não importa o que e como voce vive, a história do rei e do
vagabundo vão ter o mesmo fim. Os capítulos é que fazem toda a diferença. Por
enquanto vou seguindo com meu barco pelos rios das páginas até encontrar o
epílogo, quando a obra será concluída e irá para a estante da biblioteca das
minhas gerações.
Ricardo Mezavila
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