Ontem, passando em frente ao
hospital Salgado Filho, flagrei uma cena que me provocou e, quando provocado,
tenho por hábito escrever para responder a provocação. Vamos realizar a cena: (câmera lenta... som de um coração pulsando
alto, TUM-TUM). Estou caminhando, passando em frente ao hospital, vejo um
homem sendo retirado de uma ambulância na maca. Olho e percebo que o homem
semi-abriu um dos olhos quando ouviu o barulho de um trem que passava na
estação ferroviária, que fica em frente ao hospital. Acompanhei aquele olhar
moribundo e quando me voltei, homens de branco o levavam para a emergência. Corrrrta!
Isso seria corriqueiro se não
tivesse sido observado com poesia. De pronto interpretei a situação como a de
alguém que, debilitado e imóvel, faria qualquer coisa para estar viajando em um
daqueles vagões. Alguém que se arrependeu tardiamente, quando as palavras
perderam voz. O olho semi-aberto do homem permitia que ele visse as coisas do
tamanho que ele as atribuía. Mesmo com os dois olhos abertos, algumas pessoas
só enxergam miniaturas turvas captadas por olhos quase fechados.
Ao ouvir o barulho característico
do trem, o homem, talvez em uma vã tentativa, tentou experimentar com alegria
aquilo que sempre fez parte de sua vida. Talvez tenha se sentido em uma
sinfônica, e o barulho do trem fosse o som do instrumento que tocava, assim
como um violino. A maca talvez fosse uma espécie de tapete que voava baixo
antecedendo o seu voo definitivo.
Voltando a cena inicial, penso
que dentro dos vagões daquele trem em movimento, possam estar viajando as
mágoas entre os irmãos, a falta de atenção dos pais por seu filhos e vice-e-versa, a desunião entre os casais, os lares desestruturados. As pequenas coisas
que não são boas para nossas vidas, deviam ser despachadas em uma estação, para
que o trem as leve para bem longe. A gente precisa olhar a vida com os olhos
abertos enquanto ainda é possível, e valorizar o cotidiano com a alegria que
ele tem.
Ricardo Mezavila
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