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terça-feira, 18 de agosto de 2015

O cínico, o poeta e a lamparina


Diógenes, conhecido como o Cínico, foi um filósofo que viveu na Grécia Antiga, que fazia da miséria uma virtude. Andava maltrapilho e teria vivido em um enorme barril, onde residia com seus cães. Vagava pelas ruas com uma lamparina, durante o dia, alegando estar à procura de homens honestos e virtuosos. Era discípulo de Antístenes, que havia sido pupilo de Sócrates. Vivia como mendigo para mostrar sua indiferença aos valores materiais daquela sociedade.

Inúmeras são as histórias que contavam do folclórico filósofo. Uma famosa é a de que foi visto pedindo esmola a uma estátua. Explicou-se dizendo ter motivos para isso: primeiro a estátua era cega, não poderia vê-lo; depois, não iria ficar acostumado a receber e a depender de alguém. Outra história dizia que certa vez o imperador Alexandre, o Grande, teria dito: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes”.

A tragédia grega que foi a vida desse acendedor de lamparinas traz à luz e ilumina outra história, de outra alma desafortunada com os quebrantos da vida cotidiana. Bato à porta do poeta russo Vladimir Maiakovski, ouço o eco de um tiro e leio o fragmento de um bilhete: “(...) o barco do amor espatifou-se na rotina, acertei as contas com a vida”.

Motivos não faltavam para o suicídio, o próprio poeta dava sinais disso: “Seria melhor, talvez, o ponto final de uma bala”. Seu relacionamento amoroso com Lilya Brik, casada com o crítico literário Osip Brik — viviam em ménage à trois —, havia terminado; perdeu espaço na dogmática Associação Russa de Escritores Proletários e, principalmente, com as autoridades soviéticas, além dos problemas na garganta, o levaram a decisão do gatilho contra o peito.

O que Diógenes e Maiakovski têm em comum? Schopenhauer escreveu que: “A solidão é o destino de todo grande espírito”. Penso também que o distúrbio íntimo e social, o desencantamento do mundo, a vocação pela autocrítica, o mergulho em si mesmo, a angústia e a melancolia — agregados ao underground cultural, ao caos da perversão e o fascínio pelo autoflagelo — fazem desses corpos, cadáveres provisórios, embriagados de morfina.

Que a metáfora da lamparina fique com o pavio mergulhado no querosene, iluminando os dias e que a noite, com o sol um pouco abaixo da linha do horizonte, fique branca, como as noites de Dostoiévski.

Ricardo Mezavila é escritor

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