Falar e escrever sobre o tempo
estão entre as coisas que mais gosto de fazer. O tempo é mistério e ao mesmo
tempo luz, é finito e infinito, bom e mau, uma coisa e outra coisa. O tempo é o
que mais me fascina, porque na sua invisibilidade torna-se visível nas pequenas
mudanças, nas transformações vindas com a idade. O tempo não para e ninguém está
imóvel, a terra gira e tudo se movimenta por dentro, em cima, do lado e por
baixo, ninguém e nada estão por fora.
Vim pensando assim ontem, no
ônibus, quando um grupo de meninos e meninas entraram vindos da escola. Sempre
que viajo de ônibus, metrô, ou trem, fico em pé. Nunca sento, porque sei que
vai entrar alguém e eu vou ceder o lugar, então já me antecipo e fico de pé. Os
estudantes faziam aquela saudável “algazarra”, própria das crianças. No banco
de trás havia uma moça com um bebê no colo e ao seu lado um homem lendo jornal.
Pensei como as notícias do jornal poderiam interferir na vida daquele bebê, dos
estudantes, da moça, do homem, enfim, de todos que estavam ali.
Cheguei em casa e acessei o site
da hemeroteca digital disponibilizada pela Biblioteca Nacional, onde se
encontram jornais desde o ano de 1800 até os 2000. Fui na capa do Jornal do
Brasil para ler as manchetes do dia do meu nascimento e li: Marinha
Argentina rompeu de vez com Frondizi. Essa era a principal manchete, não
vou contar os motivos que levaram a marinha Argentina tomar a decisão do
rompimento e nem quem era Frondizi, não vem ao caso.
Depois fui “folheando” o jornal e
lendo: Greve paralisa 90% da indústria do aço nos EUA; Perón continua agindo
para recuperar o poder; PSD não tem um nome seu para o Catete, o jeito é Lott, afirma
pessedista; Policial revela à Câmara como ficou milionário: com “economias próprias”;
Tarifas de ônibus: solução hoje; Diz presidente da Panair: “crise é culpa das
próprias empresas, menos da Panair”; Favelados do Jardim de Alá vão ser
removidos e queimados seus barracos; Greve no jóquei ameaça realização do
Grande Premio Brasil; Vavá no Botafogo trocado por Paulinho e Rossi; Theatro Municipal: Orquestra Dorenski;
Teatro Mesbla: Negócios de Estado; Walter Pinto: Tem bububu no bobobó; nos
classificados contratam-se Dactilógrafos e Funileiros; alguém vende um automóvel
D.K.W. Vemague; na Revistinha, sai às quintas-feiras, a historinha Luizinha e Luizão; tem o Capitão
Tormenta; O Bode e a Onça; no obituário tem o comunicado da missa do senhor
Gregório Paes de Almeida.
Estas notícias estavam nas mãos
de alguém, dentro de um ônibus, no dia do meu nascimento. O tempo é essa viagem
pela história, essa inesgotável fonte que é a vida. Na tirinha o bode discute com a onça que o acusa de algo que ele não
se lembra. A onça então diz: “Quer saber de uma coisa? Vamos tirar isso a
limpo. Vamos repetir tudo como foi.” O tempo é isso aí, dona onça.
Ricardo Mezavila
Nenhum comentário:
Postar um comentário